Título: Receita dobra em 2007 autuações de empresas que usam paraísos fiscais
Autor: Watanabe , Marta
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2007, Brasil, p. A2

Os planejamentos tributários internacionais com uso de paraísos fiscais não passam despercebidos pela Receita Federal. Isso fica evidente no volume de autuações e na linha de fiscalização da Delegacia Especial de Assuntos Internacionais (Deain) do Estado de São Paulo, responsável pela fiscalização da tributação de lucros no exterior e importação e exportação entre empresas vinculadas.

A delegacia autuou de janeiro a novembro deste ano um total de R$ 15,04 bilhões, volume bem maior que os R$ 6,49 bilhões de todo o ano de 2006. O titular da Deain, delegado Luiz Antonio Arthuso, lembra que o crescimento se deu com base no aumento de valor das autuações. "O número de empresas fiscalizadas pela Deain praticamente não mudou nesse período", diz.

Os R$ 15 bilhões em autuações, destaca ele, correspondem a apenas 57 companhias. Isso significa uma média de R$ 263,2 milhões em autuações por empresa somente em 2007. A Deain tem atualmente 45 auditores fiscais, número que praticamente se iguala ao volume de empresas fiscalizadas para as duas frentes de trabalho que respondem por praticamente todo o volume de autuações da delegacia. Arthuso diz que o relativamente pequeno universo de contribuintes pode ser explicado pela especificidade das atribuições da Deain. São poucas empresas, diz, mas de grande porte.

Do total de autos de infração, R$ 9,3 bilhões referem-se à tributação de lucros no exterior. Outros R$ 5,6 bilhões aos chamados preços de transferência, mecanismo utilizado pelo Fisco para evitar a remessa de lucros ao exterior por meio do comércio internacional entre empresas vinculadas. Ainda fazem parte do universo de fiscalização da Deain outra 67 companhias na área de operações aduaneiras. Mas esse segmento respondeu apenas por R$ 65 milhões em autos em 2007.

Na fiscalização de lucros do exterior e preços de transferência, o foco, diz Arthuso, são as operações envolvendo paraísos fiscais, como são chamados os locais com tributação sobre a renda inferior a 20%. "Os paraísos estão presentes em 90% das operações autuadas."

Para o ano que vem, Arthuso prevê novo aumento das autuações fiscais. Em 2007 a Deain recebeu duas novas atribuições: fiscalizar transferências de recursos internacionais e o controle do câmbio dos exportadores. O primeiro assunto, diz o delegado, promete já dar resultados em 2008 em termos de autuações. As atenções dos auditores estão voltadas para a Cide sobre royalties, tema considerado sensível na tributação das multinacionais.

Instituída no ano 2000, a Cide sobre royalties era cobrada apenas sobre valores pagos pelo direito de uso de marcas, patentes e pela transferência de tecnologia Mais tarde, porém, sua cobrança foi ampliada para serviços técnicos e administrativos, o que gerou controvérsias. Atualmente essa Cide vem sendo fiscalizada pelas delegacias gerais da Receita Federal. A transferência da atribuição à Deain tem como objetivo, diz o delegado, centralizar a fiscalização da contribuição.

Em 2007, diz Arthuso, as atenções da fiscalização se concentraram nas operações com subsidiárias no exterior. Ele lembra que até o ano passado esse assunto representava metade dos autos. Este ano, porém, a tributação dos lucros externos alcançou quase dois terços do valor total autuado. "Essa deve ser a tendência para os próximos anos. A fiscalização deve ficar mais concentrada na tributação em bases universais." Atualmente está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) um processo que discute a tributação de lucros de controladas no exterior e que poderia colocar em jogo os autos da Deain, caso a decisão seja desfavorável à Receita. "Nós acreditamos, porém, que Judiciário irá manter essa cobrança."

Um trabalho mais específico, diz o delegado, foi sobre a análise minuciosa da escrituração das subsidiárias no exterior. Ele explica que muitos paraísos não possuem legislação contábil para fins fiscais própria. Nesse caso, deve ser aplicada a legislação brasileira. Segundo ele, a fiscalização passou a verificar neste ano se o lucro apurado para fins fiscais obedeceu às normas brasileiras. "Isso gerou uma elevação das autuações."

O advogado Paulo Vaz, do escritório Levy & Salomão, conta que a atuação mais forte da Receita na área internacional foi sentida em 2007. "Somente no último trimestre acompanhei três casos de clientes em fiscalização. Em um deles houve autuação. A fiscalização em três clientes quase que simultaneamente nunca aconteceu antes." Para Vaz, na área da tributação universal um dos temas mais sensíveis é a tributação da variação cambial relacionada aos lucros externos. "A Receita continua autuando o assunto mesmo com decisões favoráveis ao contribuinte de alguns tribunais regionais federal. E são valores relevantes."

Embora tenha perdido espaço no volume total autuado pela Deain, os preços de transferência também geraram autuações representativas. Apesar de ter tido aumento menor do que a área de lucros no exterior, o mecanismo deu origem a R$ 5,65 bilhões em autos de janeiro a novembro. No ano passado inteiro o valor total foi de R$ 3,08 bilhões.

O advogado Plínio Marafon, do escritório Braga & Marafon, diz que verifica uma atuação ainda forte da Deain na área de preços de transferência. As discussões atualmente, nos casos que acompanhou, foram principalmente relacionadas à aplicação das fórmulas de cálculo dos preços.

"Há também discussões específicas, como a possibilidade de agrupar itens da mesma natureza no cálculo dos preços", lembra Vaz. As empresas defendem que é possível, o que tende a gerar uma menor adição nos valores e, na prática, menos ou nenhuma tributação adicional nos preços de transferência. Para o advogado, o aumento de autuações é resultado da consolidação da legislação sobre lucros no exterior e preços de transferência. "Isso deu mais segurança à delegacia. Além disso, há uma especialização clara desses auditores, que demonstram um conhecimento muito maior do sistema tributário e de elementos jurídicos, na comparação com outros grupos de fiscalização mais gerais."

A Deain existe desde 1999. Na época a Receita Federal criou três delegacias com fiscalização especializada. A de assuntos internacionais é uma delas. A evolução das autuações da delegacia é significativa. As autuações que em 2001 totalizam centenas de milhões de reais chegaram à casa dos bilhões em 2004, ano em que a Deain registrou R$ 10,18 bilhões em autos. Naquele ano, porém, explica Arthuso, a delegacia fechou o primeiro ciclo de cinco anos de funcionamento. Ou seja, houve um acúmulo de fiscalizações em processo de finalização, o que gerou um grande volume de autos. "A partir de então há um fluxo mais constante de autuações."