Título: Eletrobrás consegue reverter posição do STJ sobre debêntures
Autor: Teixeira , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2007, Legislação, p. E1

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) criou uma grande confusão ao tentar definir validade das antigas debêntures da Eletrobrás, emitidas nos anos 60 e 70. Consideradas no meio tributário um tipo de moeda podre sem muito prestígio, as debêntures transformaram-se em febre no mercado paralelo de títulos a partir de junho de 2007, quando a primeira seção do STJ, responsável por unificar a posição das turmas de direito público, proferiu uma decisão inédita que considerou que os títulos tinham valor e, assim, poderiam ser usados como garantia em execuções fiscais. Quatro meses depois, no entanto, os ministros da primeira turma, onde teve origem o entendimento adotado na seção, voltaram atrás e declararam que as debêntures, de fato, nada valem.

O problema é que, neste meio tempo, advogados e empresas gastaram milhões de reais comprando debêntures antigas que circulavam no mercado e alguns contribuintes chegaram a parar de pagar seus tributos para serem executados - e assim entregarem os títulos ao fisco. A operação se mostrava particularmente rentável: as debêntures eram vendidas por preços baixíssimos - algo como 2% ou 3% de seu valor de face. Mas, nos poucos meses de fama, algumas debêntures chegaram a ser negociadas a 20%. Apenas dois dos escritórios que atuam neste mercado alegam que tiveram em mãos, juntos, R$ 5 bilhões em títulos acumulados.

As debêntures foram emitidas pela Eletrobrás para pagar os empréstimos compulsórios cobrados sobre as contas dos consumidores de energia entre 1962 e 1976. Espécie de tributo incidente em até 30% do valor das contas, o compulsório foi devolvido aos consumidores na forma de obrigações com vencimentos de cinco anos, até 1968, e 20 anos a partir de então. Diante de prazos tão longos após 1968, a maior parte dos consumidores não foi atrás de seus créditos, seja devido à burocracia ou porque os papéis se perderam em meio a inventários e massas falidas, gerando um grande volume de papéis de valor duvidoso.

Pelas regras do direito tributário, a prescrição desses créditos é de cinco anos - e assim o prazo de recuperação dos últimos títulos emitidos em 1977 venceu em 2002. Mas advogados defendem que as debêntures seguem as regras do direito civil - portanto, com prazo de prescrição de 20 anos, o que salvaria todas as obrigações emitidas a partir de 1968, que seguiriam exigíveis judicialmente.

A Fazenda defende que é impossível que o vencimento das debêntures siga as regras do direito civil, uma vez que elas se originaram de obrigações tributárias e foram criadas por determinação legal. Nesta linha, não há como impor um prazo do direito privado a um título de natureza pública. Já os advogados dos contribuintes defendem que os títulos emitidos, sejam eles chamados de debêntures ou de obrigações, são papéis emitidos seguindo as previsões da legislação comercial e da Lei das S.A., e como tal deve ser a prescrição.

A nova posição do STJ que nega valor aos títulos foi publicada na semana passada e a decisão se deu em um caso relatado pelo ministro Francisco Falcão que envolvia o supermercado Asun. Segundo o ministro, os títulos oferecidos pelo contribuinte "não são debêntures da Eletrobrás, mas sim obrigações ao portador, consistentes em crédito advindo de empréstimo compulsório sobre energia elétrica". Assim, diz Falcão, os títulos não têm liquidez, e portanto não podem ser oferecidos em penhora.

Segundo a advogada da estatal no caso, Vládia Viana Régis, a nova posição unânime da primeira turma do STJ é resultado de um trabalho conjunto entre procuradores da Fazenda e advogados da estatal na tentativa de reverter a posição anteriormente proferida na seção. O mau resultado só foi possível, diz ela, porque o réu era o INSS, que não deu a devida importância ao caso. A procuradora da Fazenda Nacional Adriana Tigre diz que já começou a fazer o mesmo trabalho de convencimento na segunda turma, onde os ministros já estão atentos à nova posição - agora só falta pautar um novo caso na primeira seção e encerrar a disputa.

Até as primeiras decisões reconhecendo a validade das debêntures da Eletrobrás no STJ, não havia registros de decisões neste sentido. Uma breve pesquisa de jurisprudência nos cinco tribunais regionais federais (TRFs) traz apenas jurisprudência contrária ao uso dos títulos em penhora e, segundo advogados, o retrospecto não é muito melhor nos tribunais estaduais.

Segundo Nelson Lacerda, do escritório Lacerda e Lacerda, especializado em uso de créditos tributários, até 2007 as debêntures da Eletrobrás eram apenas mais um entre 800 tipos de "esqueletos" que circulavam no mercado, ao lado de papéis como antigos títulos da Petrobras, da Vale do Rio Doce e Letras do Tesouro Nacional (LTNs). De acordo com ele, a decisão do STJ apenas "tirou do limbo" as debêntures. Cláudio Curi, dono da Curi Créditos Tributários, diz que fazia operações com títulos da Eletrobrás apenas em "caso de emergência", mas logo após a decisão do STJ afirma ter gastado R$ 4 milhões para comprar todas as debêntures que encontrou no mercado, acumulando R$ 3 bilhões em créditos.

Um dos únicos advogados que aposta firmemente na causa é Édison Freitas de Siqueira, que alega concentrar 95% dos processos sobre o tema no país - 22 mil ações, totalizando R$ 2 bilhões em créditos contra a estatal. Ele diz que a disputa tributária é apenas uma parte da questão e que o resultado da disputa no STJ servirá apenas para respaldar ações diretamente contra a estatal. Siqueira afirma que a posição do STJ é favorável aos contribuintes, e o caso do supermercado Asun foi apenas um mal-entendido dos ministros.