Título: A arbitragem no setor de energia elétrica
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2007, Legislação, p. E1

A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) foi criada pela Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004, e regulamentada pelo Decreto nº 5.177, de 12 de agosto de 2004, após a reformulação do setor elétrico no Brasil. A CCEE foi concebida como uma associação civil, sujeita à regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), com a finalidade precípua de promover a comercialização de energia elétrica através de leilões realizados nos ambientes de contratação regulada e livre, dando continuidade às atividades do extinto Mercado Atacadista de Energia (MAE), que estava em funcionamento desde 1º de setembro de 2000, nos termos da Resolução nº 290, de 2000, da Aneel.

À CCEE foram atribuídas novas funções e desafios institucionais. Com o surgimento da obrigatoriedade de negociação de 100% da energia elétrica demandada nos leilões e o aumento da comercialização de energia nos mercados livre e de curto-prazo (spot), a CCEE realizou um substancial aprimoramento em sua estrutura interna. Como forma de garantir transparência às suas ações, passou a disponibilizar as operações de liquidação da câmara em sua página na internet (www.ccee.com.br), onde também é possível encontrar outras informações relevantes sobre a sua estrutura. A CCEE é composta pelos agentes integrantes das categorias de geração, distribuição e comercialização, que possuem subdivisões, nos termos do seu estatuto social e da convenção de comercialização. Atualmente, a CCEE conta com 916 agentes inscritos, sendo a grande maioria de consumidores livres e comercializadores de energia.

Recentemente, a Aneel aprovou o texto da convenção de arbitragem a ser inserida nos contratos de comercialização de energia elétrica, regulamentando a previsão legislativa constante da Lei nº 10.848, que se refere à arbitragem como mecanismo para a solução de conflitos no âmbito da CCEE. O texto da convenção de arbitragem foi aprovado na 32ª assembléia geral extraordinária da CCEE, de 26 de janeiro de 2005, e desde então aguardava a aprovação pela Aneel, o que ocorreu através da Resolução Homologatória nº 531, de 7 de agosto de 2007.

A convenção de arbitragem incorporou as regras da convenção de comercialização, aprovada pela Resolução Normativa nº 109, de 26 de outubro de 2004, da Aneel, que já estabelecia, em seu artigo 58, os tipos de conflitos que podem ser submetidos à arbitragem - excluindo-se aqueles que envolvam a competência direta da Aneel. A convenção de comercialização ainda estabelece que a câmara arbitral deve instituir um processo de mediação de forma prévia ao procedimento arbitral, o que permitirá solucionar divergências menos complexas de forma ainda mais célere e menos onerosa.

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A resolução homologatória da Aneel tem como principais características estabelecer a arbitragem como mecanismo único de solução de controvérsias no âmbito da CCEE, bem como eleger a Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem para conduzir os procedimentos arbitrais de acordo com as suas normas internas. No entanto, a arbitragem só se faz possível após a adesão dos agentes da CCEE à convenção de arbitragem, necessidade que decorre da própria Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 - a Lei de Arbitragem -, que, em seu artigo 3º, determina que as partes devem firmar a convenção de arbitragem.

As matérias que estão sujeitas à arbitragem são aquelas relativas a direitos patrimoniais disponíveis, que não envolvam assuntos sob a competência direta da Aneel. Aliás, cabe aqui lembrar o caso AES Uruguaiana, julgado em 25 de outubro de 2005, no qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que a energia é um bem disponível quando sua comercialização esteja vinculada à atividade econômica desenvolvida pela empresa, que, no caso, era uma sociedade de economia mista. Em uma decisão inédita, o STJ, no Recurso Especial nº 612.439, julgado pela segunda turma e que teve como relator o ministro João Otávio de Noronha, destacou que, "em se tratando a energia elétrica de commodity de tamanha importância para o país, sobretudo a partir da desregulamentação do setor promovida a partir dos anos 90, cumpre assegurar às empresas que se dedicam à sua comercialização e o seu fornecimento, sejam elas privadas ou estatais, mecanismos ágeis, seguros e eficientes na gestão destes negócios, que possam, efetivamente, contribuir para o aprimoramento destes serviços, com reflexos positivos para o consumidor. Neste contexto, não resta dúvida de que, sob o ponto de vista jurídico, a cláusula compromissória constitui um desses mecanismos".

Outro fator positivo da convenção de arbitragem da CCEE foi a escolha de uma única câmara arbitral para concentrar os eventuais conflitos. A Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem terá condições de colocar à disposição dos agentes um corpo de árbitros especializados em questões relacionadas ao mercado de energia, permitindo que a câmara forme precedentes importantes acerca deste mercado de energia. Certamente, a celeridade e especialização nas matérias objeto da convenção de comercialização não poderiam ser prestadas com a mesma eficiência pelo Poder Judiciário.

Foi absolutamente acertada a opção do legislador de adotar a arbitragem como o mecanismo de solução de conflitos no âmbito da CCEE, que, em um futuro próximo, servirá como meio eficaz de inibição à inadimplência e ao deliberado descumprimento dos contratos. Inserindo-se em um contexto altamente competitivo e dinâmico, as divergências que venham a surgir nesse mercado estarão sujeitas a um mecanismo de solução de conflitos adequado à sua realidade e que permitirá o seu desenvolvimento.

André Chateaubriand Martins e Elena Landau são, respectivamente, sócio e consultoria do Escritório de Advocacia Sergio Bermudes

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