Título: Perdas e danos
Autor: Cotias , Adriana
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2007, EU & Investimentos, p. D1

O estreitamento da liquidez internacional e desempenhos pouco uniformes para as ações vendidas em ofertas públicas iniciais (IPO, na sigla em inglês) desenham um 2008 controverso para novas aspirantes ao pregão, especialmente no primeiro trimestre. Pela primeira vez na história recente do mercado de capitais brasileiro, as novatas tiveram, na sua maioria, performance inferior à do Ibovespa. E, como o grosso das operações originou-se em empresas de baixa capitalização ("small caps"), o investidor acabou mantendo em carteira papéis que deram prejuízo e que não conseguiu vender na bolsa.

Com esse pano de fundo, as perspectivas são de que o ano novo favorecerá, principalmente, ofertas de companhias já listadas no pregão (o chamado "follow on"). As menores terão de vir com histórias de crescimento muito promissoras. Mesmo assim, vão enfrentar a concorrência das recém-chegadas à bolsa e que tiveram o seu valor de mercado solapado pela crise de crédito global. A boa notícia é que os preços para o investidor tendem a ser mais convidativos.

Dos 66 IPOs realizados ao longo de 2007, 50 (ou 76%) estão abaixo do Ibovespa e só 16 (24%) têm desempenho acima do indicador. Do total, 39 estão com valor menor do que o de lançamento, com destaque para frigorífico Minerva, em queda de 41%. Ao mesmo tempo, Anhanguera Educacional acumula 92% de alta. Entre IPOs e operações de "follow on" foram 76 ofertas, que movimentaram R$ 69,531 bilhões, 128% acima dos R$ 30,436 bilhões de 2006 - segundo dados da Bovespa. Mas, com performances tão díspares, o investidor tende a mostrar menor disposição para assumir o risco de uma empresa sem histórico contábil público.

A administradora de planos de saúde Tempo, ativo da tradicional GP Investments, foi, por exemplo, a última da fila a ingressar na Bovespa neste ano. Seus papéis saíram a R$ 7,00, 24% abaixo da média do intervalo proposto, e só fizeram cair desde que estrearam no dia 19 (-4,3%). "Trata-se de um negócio de qualidade, de um grupo conhecido por lançamentos de sucesso, e que teve dificuldade para vender", diz o chefe de Renda Variável da Fundação Cesp, Paulo de Sá Pereira. "O início de 2008 vem com esse tom."

Para o especialista, num primeiro momento, são as operações de empresas que já têm um histórico no mercado ( "follow on") e os IPOs de grandes corporações que devem vingar. A incorporadora Cyrela Brazil e a varejista Globex (dona da rede Ponto Frio) são exemplos de companhias já listadas com pedidos em análise na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e que podem testar o apetite dos investidores logo no primeiro trimestre. No forno estão mais 28 operações.

Se 2007 foi pontuado por ofertas do ramo de construção civil, das bolsas, educação e saúde e dos bancos de médio porte, em 2008 novos setores devem emergir, diz o professor Ricardo Rochman, do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A área de tecnologia da informação desponta como uma próspera candidata, com os lançamentos da Tivit, do grupo Votorantim, ou da Localweb. "São companhias bem posicionadas, mas qualquer que seja o negócio o investidor tem de avaliar qual o potencial de crescimento e como isso se refletirá em dividendos e na valorização dos papéis."

Aqueles setores dependentes da demanda interna é que tendem a ser favorecidos ao longo do ano, mas os bancos coordenadores terão de medir qual a sensibilidade do mercado para cada operação antes de levá-la adiante, acrescenta Sá Pereira. "A percepção, por ora, é de que a liquidez para as pequenas secou."

Do segundo semestre para cá, tanto no Brasil como no exterior, os recursos migraram das "small caps" para as maiores, como efeito da restrição ao crédito internacional. "Tal cenário resultou numa disposição a se pagar prêmio por liquidez, para garantir uma porta de saída fácil", diz o diretor de Renda Variável da HSBC Investments, Eduardo Favrin. "Como houve muitos lançamentos ao mesmo tempo, os compradores passaram a avaliar as ações de maneira mais conservadora." Melhor para o investidor, que agora encontrará preços mais justos e ações com maior potencial de valorização, diz o sócio da Value Consultoria, Rodrigo Pasin.

Embora Favrin, da HSBC, acredite que os investidores serão mais refratários a empresas com valor de mercado de até US$ 1,5 bilhão - tamanho que prevaleceu em 2007, excluindo-se as operações da Bovespa Holding, da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) e da Redecard -, a tendência é de que esse perfil predomine em 2008. Só que, além de se confrontarem com um ambiente mais adverso, as candidatas vão enfrentar a concorrência daquelas que chegaram recentemente ao pregão. "São companhias que têm alguns (resultados) trimestrais divulgados, um certo histórico de mercado e já foi possível ter uma sensibilidade da qualidade da gestão, dos fatores sazonais e do quanto cumpriram as diretrizes traçadas."

O maior leque de "small caps" disponíveis na bolsa, além de ser emblemático da democratização do mercado de capitais, dá mais alternativas aos gestores para acolher na carteira papéis "top picking", com alto potencial. Para o investidor, o desempenho não tão favorável das debutantes pode até ter um caráter educativo, diz Favrin. "A crença era de que tudo subia no primeiro momento e assim o investidor mitigava o seu risco, mas ele acabou aprendendo que não é bem assim." O nome do jogo agora é o longo prazo, acrescenta Rochman, da FGV. "Talvez o minoritário não esteja com a paciência devida para esperar o retorno do seu investimento."

Se o lucro instantâneo virou exceção, adquirir papéis de estreantes com a idéia de seguir uma tendência na Bovespa (de alta, de preferência) passou a ser uma estratégia incerta. "O investidor será mais criterioso, vai deixar de comprar o cenário para comprar efetivamente a empresa e analisar se ela tem condições de entregar os resultados prometidos", assinala o vice-presidente da área de Investimentos da SulAmérica Investimentos, Marcelo Mello.

Mesmo num quadro de aperto de crédito global, o executivo imagina que o capital externo, que na média levou 75,8% das ações vendidas em ofertas (até novembro), manterá o apetite pelos papéis brasileiros. "O Brasil tem hoje indicadores macroeconômicos confortáveis, com um bom colchão de reservas, superávit primário, e países com essas características tendem a ser favorecidos", diz.