Título: Toyota quer ter 15% do mercado mundial
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2005, Empresas &, p. B5

Existe a indústria automobilística mundial e existe a Toyota. Desde 2000, a produção da indústria mundial aumentou cerca de 3 milhões de veículos, para cerca de 60 milhões: desse aumento, a Toyota respondeu sozinha pela metade. Embora a maior parte das atenções nos últimos quatro anos tenham se concentrado na espetacular recuperação da Nissan, a Toyota registrou um crescimento dramático em todas as partes do mundo. A líder da indústria automobilística japonesa em breve estará produzindo mais automóveis fora do país do que dentro. Ela superou a Ford em termos de produção mundial e caminha para superar a Chrysler em vendas, para se tornar uma das "Big Three" dos Estados Unidos. Em um setor cheio de casos perdidos, onde pouquíssimos produtores de grandes volumes conseguem um retorno real sobre o capital, a Toyota é excepcional pelo fato de consistentemente conseguir bons retornos. O presidente do conselho de administração da Toyota, Hiroshi Okuda, tem feito pouco segredo de sua intenção de abocanhar 15% do mercado mundial de automóveis, tirando a liderança da General Motors (GM). Tendo atingido a posição Global Ten (10% do mercado mundial), Okuda está agora se concentrando em seu novo objetivo. "É apenas para motivar os funcionários", diz Fujio Cho, o presidente da Toyota. "De alguma maneira, as metas estabelecidas para as nossas fábricas vazaram", diz, como se fosse possível manter um segredo depois de ele ter sido proclamado para 264 mil funcionários em todas as partes do mundo. O valor de mercado diz tudo. A Toyota vale mais que as três maiores montadoras dos Estados Unidos juntas, e mais que a combinação de seus bem-sucedidos rivais japoneses Nissan e Honda. No ano passado a Nissan pode ter tido um desempenho melhor que o da Toyota em termos de margem operacional, mas no longo prazo é a potência de Aichi, perto de Nagoya, que vem dando as cartas. Primeiro, é claro, ela ensinou a indústria automobilística moderna como fabricar automóveis adequadamente. Poucos tinham ouvido falar do Sistema de Produção Toyota (STP) até que três acadêmicos do programa de estudos da indústria automobilística conduzido pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) escreveram um livro em 1991, intitulado "The Machine that Changed the World" (A Máquina que Mudou o Mundo). Ele descreve os princípios e práticas por trás do sistema de fabricação "just-in-time" desenvolvido na Toyota por Taiichi Ohno. Ele, por sua vez, buscou inspiração em W. Edwards Deming, um influente estatístico e especialista em controle de qualidade que teve um importante papel no desenvolvimento dos processos de fabricação rápida usados nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Na essência do STP está a eliminação do desperdício e um foco absoluto na qualidade por meio de um processo de melhoria contínua (Kaizen). O aspecto cativante de montar as peças apenas quando elas são necessárias na linha de montagem é apenas a mais clara manifestação do esforço inflexível para a eliminação das perdas (Muda) no processo de fabricação. A indústria automobilística mundial, e muitas outras ramificações da indústria de transformação, correram para abraçar os princípios do STP. No processo, automóveis americanos e europeus deixaram de ser os veículos pouco confiáveis da década de 70, para se transformar nos modelos fortes e melhorados de hoje. Em termos reais, os preços dos automóveis podem ter caído apenas um pouquinho nas duas últimas décadas, em comparação à drástica redução dos preços dos computadores pessoais e de todos os produtos eletrônicos de consumo. Mas a qualidade, conteúdo e economia dos automóveis atuais são incomparáveis ao que era oferecido 30 anos atrás. O maior crédito vai para os japoneses, liderados pela Toyota. Os altos preços do petróleo levaram os consumidores americanos a comprar os econômicos carros japoneses; a qualidade superior manteve essa tendência. Os europeus também viram rapidamente a atratividade dos automóveis que raramente quebram, ao contrário das variedades nativas. Quando barreiras comerciais foram levantadas, os japoneses construíram suas fábricas do lado de dentro dessas barreiras. A Toyota pode ter sido mais lenta que a Honda ou a Nissan, na expansão fora do Japão, mas seu método de fabricação lhe colocou em vantagem assim que ela decidiu fazer isso. Portando, o sucesso da Toyota começa com sua brilhante engenharia de produção, que coloca o controle de qualidade nas mãos dos operários de linha, que têm o poder de paralisar a produção ou buscar ajuda no momento em que alguma coisa der errado. Dê uma volta por uma fábrica de Toyota no Japão ou nos EUA, Derby, no Reino Unido, ou Valenciennes, na França, e você verá os mesmos sinais visuais informando tudo o que está acontecendo. Você também vai ouvir os mesmos retinidos em várias estações de trabalho dizendo a você que um modelo está sendo trocado, uma operação está sendo concluída ou uma breve interrupção vai ocorrer.

As vendas superaram 2 milhões de veículos na América do Norte pela primeira vez no ano passado

Outro triunfo é o processo de desenvolvimento de produtos, que pode lançar novos modelos em apenas dois anos. Conforme observa Carlos Ghosn, principal executivo da Nissan, em seu livro "Shift" (sobre como ele recuperou a mais fraca das Big Three do Japão), tão logo os chefões da Toyota percebem uma brecha no mercado, ou um novo produto inteligente de uma concorrente, eles rapidamente entram com a sua própria versão. O resultado é uma desconcertante tropa de mais de 60 modelos no Japão e um monte de diferentes versões em grandes mercados internacionais, como a Europa e os EUA. É claro que "sob a pele" muitos deles carregam as mesmas peças. Há muito tempo a Toyota vem colocando com maestria vinhos antigos em garrafas novas: dois terços de um novo modelo contêm peças de um modelo anterior que não ficam à mostra. Passe um período com o pessoal da Toyota e depois de algum tempo vai perceber que há algo diferente neles. O resto da indústria automobilística delira com motores, caixas de embreagem, aceleração, economia de combustível, dirigibilidade e design. O pessoal da Toyota fala do "Jeito Toyota" e dos clientes. Na verdade, no papel o credo da Toyota se parece muito com as declarações de princípios de qualquer empresa. Mas ele parece ter sido igualmente absorvido por funcionários japoneses, europeus e americanos. Cho acredita que algo da cultura única da Toyota tem origem no fato de que a companhia cresceu em um lugar, Toyota City, a 30 minutos de carro de Nagoya, onde a companhia tem quatro unidades de montagem cercadas pelas fábricas de fornecedores. Nesse cenário provinciano e originalmente rural, os funcionários da Toyota, nos primórdios da companhia, sempre tinham pedaços de terra dos quais tomavam conta após um dia de trabalho. Cho, que fez carreira na companhia, começando como pupilo de Ohno e se tornando um mestre em controle de produção, acredita que o fato de os administradores da Toyota e os fornecedores se encontrarem todos os dias cria um tipo de "cultura-estufa" - muito parecida com a do Vale do Silício nos seus primeiros dias. Jim Press é o chefe de vendas da Toyota na América do Norte. Ele deixou a Ford depois de 35 anos, frustrado por achar que a companhia não conduzia adequadamente a área de relações com o cliente, e por suspeitar que a companhia japonesa que iniciava suas operações americanas poderia se sair melhor. Ele estava certo. A Toyota divide uma unidade de produção com a General Motors na Califórnia. Carros idênticos saem da linha de montagem, alguns com a marca da GM, o resto com a da Toyota. A consultoria Boston Consulting fez um estudo com um certo número de veículos produzidos nessa unidade, que constatou que cinco anos depois o valor comercial dos veículos Toyota era maior que os da GM. Isso graças à maior confiança das pessoas nos revendedores Toyota e na rede se serviços da companhia. Press fala com um fervor quase religioso sobre a Toyota, sem ao menos mencionar os automóveis. "A cultura Toyota está dentro de todos nós. A Toyota é uma empresa dos clientes", diz ele. "A senhora Jones é nossa cliente, ela é minha chefe. Tudo é feito para tornar a vida da senhora Jones melhor. Todos nós trabalhamos para a senhora Jones." Mas nem mesmo a combinação de seu processo de fabricação que é líder mundial, o rápido desenvolvimento de produtos e uma devoção à satisfação do cliente são suficientes para explicar o duradouro sucesso da Toyota. Há mais ingredientes que dão um tempero adicional a todos esses. Tetsuo Agata é gerente-geral da fábrica Honsha da Toyota em Toyota City, e também o guru do processo de fabricação da companhia. A mágica da cultura vencedora da Toyota foi resumida para ele por um amigo americano, que observou que as pessoas na Toyota sempre se colocam "fora da zona de conforto": sempre que eles atingem uma meta, estabelecem outra, ainda mais exigente. A busca obstinada da excelência certamente explica muito do que está acontecendo com a companhia nos últimos anos, em casa e no mercado internacional. A vida começou a mudar para a Toyota quando a bolha econômica estourou no Japão, no começo dos anos 90. Primeiro, ela teve que dar duro para melhorar sua competitividade, na medida em que o iene se fortaleceu. Okuda, presidente na metade da década de 1990, lançou um programa de corte de custos para tornar as exportações da companhia competitivas mesmo com o iene cotado a 95 ienes por dólar. Quando os custos caíram e o iene posteriormente se valorizou, a Toyota colheu uma recompensa dupla. Mas, também, teve que enfrentar um mercado doméstico que caiu de quase 6 milhões de unidades anuais para pouco mais de 4 milhões. E a Toyota teve que responder à renovada competição em seu mercado doméstico, depois de uma arrancada agressiva da Honda e a revitalização da Nissan. Uma reação de Cho à dura competição em casa foi uma nova rodada de corte de custos que ajudou a Toyota a refazer participação de mercado no Japão de 38% em meados da década de 1990 para 44,6% no ano passado, tendo sido parcialmente ajudada pela implosão da Mitsubishi Motors.

Em 1980, a companhia tinha onze fábricas em nove países; hoje, são 46 fábricas em 26 países

Mas as importações européias de Volkswagens, BMWs e Mercedes abocanharam 7% do mercado japonês, principalmente nos modelos de luxo, e obrigaram a Toyota a introduzir sua marca de luxo Lexus no Japão. Além de tentar mudar a produção para que ela se volte para as exportações, a Toyota também perseguiu o crescimento fora do Japão, com a construção de mais três fábricas na América do Norte e duas na Europa, começando com a de Derby, no Reino Unido, seguida pela de Valenciennes, no norte da França. Entre 1993 e 2003, a produção internacional mais que duplicou para 2 milhões de unidades, enquanto no Japão ela caiu de 3,5 milhões para 3 milhões, antes de se recuperar para o nível antigo nos últimos anos, graças às exportações; cerca de metade da produção doméstica é exportada. Esse processo de globalização transformou a Toyota em tamanho e forma. Em 1980, a companhia tinha onze fábricas em nove países; em 1990 o número subiu para 20 fábricas em 14 países; hoje, são 46 fábricas em 26 países. Além disso, ela possui centros de design na Califórnia e na França, na Cote d´Azur, e centros de engenharia na área de Detroit, nos EUA, e na Bélgica e Tailândia. Embora o Japão continue sendo seu maior mercado individual, as vendas superaram 2 milhões de veículos na América do Norte pela primeira vez no ano passado, e na Europa a Toyota está passando da marca de 1 milhão de unidades, com 5% do mercado depois de um longo período de baixo crescimento. A abertura de fábricas na Turquia e na França e a introdução do Yaris, um modelo de pequeno porte projetado na Europa, contribuíram bastante para tornar os carros Toyota mais atraentes para os europeus, enquanto nos EUA sua entrada (não sem algumas escorregadas) no enorme mercado de pickups e veículos utilitários esportivos tem sido responsável por sua firme marcha além dos 10% do mercado. Ela está agora respirando bem na nuca da Chrysler. Cho reconhece que esse crescimento internacional e globalização é a maior mudança que está acontecendo na companhia. Ele acredita que seu maior desafio será manter os padrões elevados da Toyota nessas áreas, ao mesmo tempo em que cresce rapidamente em outras partes do mundo. Pois a Toyota apenas recentemente começou a transformar a maneira como é administrada, para que se torne uma companhia verdadeiramente global, ao invés de uma grande exportadora com uma série de fábricas em vários países. Seu conselho apenas de japoneses foi drasticamente reduzido e cinco executivos não-japoneses, incluindo Press, foram nomeados diretores administrativos, o que significa que eles fazem parte do comitê executivo da companhia em Tóquio, mas também têm liberdade para tocar suas operações internacionais diárias sem se submeter ao escritório central. Para a Toyota, este é um grande passo no distanciamento do domínio centralizado de Toyota City. Outro salto foi a criação de um Toyota Institute, não só para o treinamento de gerentes japoneses, mas também para o desenvolvimento de grupos de executivos de todas as partes do mundo. Ele é claramente modelado no Crotonville Centre, que teve um papel muito grande no sucesso da General Electric. Ao ter esquadrões de gerentes participando de cursos de desenvolvimento, a sede pode manter registros sobre o potencial de seu pessoal, ao mesmo tempo que garante o enquadramento deles no jeito Toyota de fazer as coisas, seja na fabricação, comercialização, compras e assim por diante. Mas a globalização e o rápido crescimento da produção que estão ocorrendo em lugares como a China também estão deslocando o processo de aprendizagem mais para baixo na hierarquia. A Toyota tem uma equipe de funcionários que se desloca pelo mundo para treinar trabalhadores locais em novas fábricas ou ajudar quando uma mudança de modelo está em andamento. A Toyota também vem fazendo um uso astuto de joint-ventures para facilitar o peso da administração das operações internacionais: além da associação original com a General Motors na Califórnia, a Toyota firmou outra parceria com uma companhia local da Turquia e com a PSA Peugeot Citroën na República Checa e na China, que é a parte da Toyota que cresce mais rapidamente. A Toyota acredita que vai aprender muito sobre sistemas mais eficientes de compra na Europa com seu sócio francês, que está se preparando para anunciar um carro popular para o mercado europeu no começo de março, no Salão do Automóvel de Genebra. Mas a companhia está descobrindo que há limites para o número de administradores e contramestres japoneses preparados para trabalhar como expatriados, seja numa base temporária ou permanente. Por isso, ela abriu o Centro Global da Produção em uma área de produção desativada de Toyota City. Alí, em determinados dias pode-se ver trabalhadores filipinos e chineses aprendendo como montar partes dos veículos Toyota. Para contornar barreiras de linguagem óbvias, o sistema de instrução usa bastante gravações em vídeo e DVDs interativos. O que mais poderia parar a Toyota? Em breve ela terá escala para superar a GM. Uma revolução tecnológica não vai ameaçá-la, uma vez que a Toyota está liderando o caminho com os híbridos elétricos, a caminho para os automóveis elétricos a células combustíveis em plena escala. A preferência do consumidor por designs excitantes? A Toyota tem mostrado que pode jogar esse jogo: há uma sutileza de estilo em modelos recentes como o Prius, Yaris, o novo Avensis e até mesmo o venerável utilitário esportivo LandCruiser. Se sua cultura puder ser sustentada, na medida em que ela passa de uma companhia japonesa internacional para uma companhia global, o futuro da Toyota parece garantido.