Título: Lucro na peneira
Autor: Camba , Daniele
Fonte: Valor Econômico, 21/12/2007, E & Investimentos, p. D1

Abertura de mercado, estabilidade e crescimento econômico, preocupação maior com governança corporativa e ciclo de alta das commodities fizeram um número crescente de empresas ter resultados que de fato chegam ao bolso do acionista. Uma pesquisa feita pelo professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de São Paulo Oscar Malvessi mostra que mais companhias estão remunerando o capital dos investidores, que nada mais são do que seus sócios. Entre 2000 e 2006, das 40 empresas analisadas por Malvessi, 13 (32,5% do total) criaram valor ao acionista, ou seja, ofereceram retorno acima do custo do capital investido. No levantamento anterior, entre 2000 e 2003, o resultado era pior. Das 45 companhias, apenas cinco (11%) remuneraram o investidor.

A conta desenvolvida pelo professor da FGV, batizada de Valor Econômico Criado (VEC) é uma relação entre o resultado operacional líquido da companhia e o seu custo de capital. O resultado operacional é o que a empresa ganhou com o negócio, sem considerar itens financeiros como aplicações. Já o custo de capital é o quanto a empresa paga para ter capital próprio, que são os recursos dos acionistas, e os de terceiros, que são os empréstimos de bancos, por exemplo. A diferença entre o resultado operacional e o custo de capital mostra se o investidor está ganhando mais com as ações do que na renda fixa, o chamado "custo de oportunidade".

Pelo estudo, se o resultado for acima de 1 significa que a empresa agrega valor além desse custo. Já se for abaixo, é sinal de que a companhia está destruindo valor. Pela contabilidade tradicional, para se chegar ao lucro líquido as receitas precisam ser maiores que o custo de capital de terceiros, que são os empréstimos. Esse cálculo não mostra se o ganho foi suficiente para compensar o custo dos acionistas. "Às vezes, uma empresa teve um lucro de R$ 100 milhões, por exemplo, só que seria preciso ter um ganho de R$ 200 milhões para remunerar o acionista e o cálculo do VEC leva isso em consideração", diz o professor. A conta é uma tropicalização do indicador americano EVA - Economic Value Added - ou Valor Econômico Agregado.

No Brasil, apesar do processo de queda dos juros, o custo de capital do acionista ainda é elevado. Malvessi considera na sua conta o retorno dos títulos públicos de longo prazo, que é algo como 7% ao ano em termos reais (descontando a inflação), além de um prêmio de risco por estar em bolsa, que no Brasil é entre 5% a 8%. O resultado da companhia após esse custo representa ganho ao acionista.

Entre as empresas que criaram valor estão nomes como Souza Cruz, Weg, Arcelor (ex-CST), Vale, Gerdau, Usiminas, AmBev e Sadia. Algumas já faziam parte do grupo de 2003 - Souza Cruz, Metal Leve, Weg, AmBev e Lojas Americanas. "São companhias que apresentam gestão boa e consistente no longo prazo", analisa Malvessi. No pé do ranking estão também empresas grandes como Braskem, CSN, Pão de Açúcar, Acesita, Klabin e Suzano Petroquímica.

A Souza Cruz é a grande vencedora nos dois estudos. Entre 2000 e 2003 ela tinha um valor criado de 2,11 vezes, ou seja, seu resultado operacional é 111% superior ao custo de capital, percentual que cresceu para 106% entre 2000 e 2006. "Como ela é uma empresa madura e com dificuldades para crescer pelo ramo em que atua, a opção é administrar bem os ativos que já possui e remunerar bem os acionistas", diz o professor. Não é à toa que a Souza Cruz é conhecida como uma das melhores pagadoras de dividendos.

Já a AmBev, que entre 2000 e 2003 tinha um resultado 46% maior que o custo de capital e entre 2000 e 2006 caiu para 4%, destruiu muito valor ao investir na compra da cervejaria canadense Labatt, em 2003, segundo Malvessi, mas já voltou a se recuperar. A AmBev é um bom exemplo de que criar valor ao acionista nem sempre é garantia de boas práticas de governança. Em 2003, a AmBev se uniu à belga Interbrew, sem que as ações preferenciais (PN, sem voto) recebessem parte do prêmio de controle (o "tag along").

O aumento no número de empresas, na visão de Malvessi, tem correlação direta com a abertura de mercado para companhias estrangeiras, além da estabilidade, seguida do crescimento econômico. "Inicialmente, a entrada de companhias estrangeiras prejudicou as brasileiras, mas num segundo momento elas ficaram mais eficientes para encarar a concorrência", diz o professor. Algumas, inclusive, se internacionalizaram como Vale, Gerdau, Sadia e AmBev que estão na lista das que agregam valor.

Com a estabilidade e o crescimento econômico, as empresas ganharam duplamente. Ao mesmo tempo em que as vendas e os preços dos produtos subiram, o custo do capital caiu, graças ao processo de queda dos juros, lembra o sócio da Plenus Gestão de Recursos e chefe do departamento de finanças da ESPM-RJ, Alexandre Espírito Santo. "O EVA é mais um cálculo que o investidor deve considerar antes de decidir quais ações comprar", diz Espírito Santo.

O ciclo de alta das commodities nos últimos anos, puxado pelo grande crescimento mundial, também encheu o caixa das empresas. Prova disso é que das 13 companhias que agregaram valor aos acionistas 4 são de commodities - Arcelor, Gerdau, Vale e Usiminas. Da mesma forma que a alta das commodities aumentou o número de empresas, agora pode ocorrer o movimento inverso, com o desaquecimento mundial, puxado pelos EUA, e, portanto, queda desses ativos, lembra o chefe de análise da consultoria CMA, Luiz Rogé Ferreira. "É importante separar as companhias que passaram a criar valor ao acionista por uma melhora consistente da gestão daquelas que aumentaram os resultados apenas por uma questão sazonal favorável ao seu setor", diz.