Título: Alvos nucleares
Autor: Ramberg , Bennett
Fonte: Valor Econômico, 21/12/2007, Oponião, p. A13

Instalações nucleares podem ser alvos militares? O rufar de tambores parece estar intensificando. Repetidamente, líderes ocidentais declaram que nenhuma opção é descartável para conter as ambições nucleares iranianas. E em meados de novembro, o jornal londrino Sunday Times noticiou que Israel colocou as defesas em torno de seu reator nuclear em Dimona em "alerta vermelho" por 30 vezes, devido ao crescimento das preocupações de que a Síria iria vingar o ataque israelense de setembro, que teve como alvo locais suspeitos de abrigar instalações nucleares sírias.

O temor israelense reflete a particular história da região. Desde a Segunda Guerra Mundial, ataques para sustar atividades nucleares aconteceram exclusivamente no Oriente Médio: o Iraque foi atacado pelo Irã (1980), por Israel (1981) e pelos EUA (1991, 2003), ao passo que o Iraque bombardeou o Irã (1984-87) e Israel (1991). Mas esses ataques nunca geraram conseqüências radioativas significativas porque as instalações estavam em construção, continham quantidades inócuas de material nuclear, os elementos radioativos haviam sido removidos antes dos ataques ou porque os atacantes erraram o alvo.

Um ataque bem-sucedido contra Dimona, porém, seria muito diferente. Assim, tendo em vista o risco de liberação radioativa, será que a permanência da operação da usina prevalece sobre os riscos?

Dimona é um caso único. É a maior usina nuclear na região e a única produtora de materiais para armas atômicas. Desde que entrou em operação, em meados da década de 60, a usina produziu elementos suficientes para a produção de aproximadamente 200 armas nucleares. David Ben Gurion, o primeiro primeiro-ministro israelense, inaugurou a usina para compensar a vulnerabilidade estratégica israelense, seu exército embrionário e a indisposição do Ocidente de constituir uma aliança formal para defender o Estado judeu.

Dimona não é uma Chernobyl. A usina gera apenas cerca de 5% da potência do acidentado reator soviético. Apesar disso, a usina - juntamente com seu combustível nuclear usado, plutônio extraído e lixo nuclear reprocessável - constituem um risco radiológico significativo que um ataque militar poderia dispersar no meio ambiente.

Tacitamente, as autoridades israelenses admitem o risco. As autoridades distribuíram comprimidos de iodeto de potássio nas cidades vizinhas de Yerham, Dimona e Aruar. O iodeto de potássio impede que a tireoide absorva iodeto radioativo, um dos primeiros riscos em caso de liberação de radioatividade. Mas não impediriam graves danos à saúde resultantes da exposição a outros elementos radioativos. E, dependendo das condições climáticas e da descarga nuclear, as conseqüências radioativas poderão não permanecer localizadas.

-------------------------------------------------------------------------------- Dimona já produziu todo o plutônio de que Israel razoavelmente necessita, o reator foi palco de pequenos incidentes e está deteriorado --------------------------------------------------------------------------------

Contaminação leve e focos intensos poderiam impactar centros urbanos israelenses, palestinos e jordanianos situados a alguma distância. Além dessas conseqüências para a saúde, a contaminação poderia aterrorizar populações afetadas, impondo mobilizações temporárias e relocações permanentes. Isso produziria graves conseqüências econômicas de longo prazo.

Durante décadas, Israel enfrentou esse risco por meio de defesas aéreas eficazes e desdenhando a capacidade de seus adversários de atingir Dimona. Em maio de 1984, depois que publiquei um livro sobre as conseqüências de ataques militares contra instalações nucleares, um oficial de inteligência israelense veio à Califórnia para questionar-me sobre a vulnerabilidade do reator e de uma nova usina nuclear de eletricidade. O oficial israelense minimizou o risco, argumentando que nenhuma força aérea árabe já havia sobrepujado as defesas aéreas israelenses - e nunca conseguiriam fazê-lo.

Naquele momento, a história proporcionava corroboração incerta. Embora uma aeronave de reconhecimento egípcia tivesse sobrevoado as imediações de Dimona, em 1965 e 1967, sem incidentes, Israel abateu um de seus próprios caças a jato Mirage durante a guerra, em 1967, quando este, ao perder seu rumo, sobrevoou a usina. Em 1973, os defensores de Dimona abateram uma aeronave civil que errara sua trajetória e navegava na direção do reator, matando 108 pessoas.

Mas a guerra de 1991 no Golfo Pérsico frustrou qualquer consolo que Israel poderia derivar da experiência passada. Mísseis Scud iraquianos bombardearam Tel Aviv e um deles chegou perto de atingir Dimona. O bombardeio contra o norte de Israel pelo Hezbollah, em 2006, demonstrou ainda mais a vulnerabilidade do país a ataques de mísseis. E, embora as defesas "Arrow" israelenses contra mísseis balísticos, que atualmente circundam Dimona, possam ser superiores ao sistema "Patriot" que falharam em 1991, os Scuds sírios mais avançados e os foguetes Shahab 3 iranianos constituem um desafio maior do que os projéteis de Saddam.

Dimona já produziu todo o plutônio de que Israel razoavelmente necessita e o reator - um dos mais antigos do mundo - foi palco de pequenos incidentes e apresenta evidente deterioração, aumentando a probabilidade de acidentes mais graves. Assim, se Israel não pode assegurar a defesa da usina contra ataques, os israelenses deveriam desativá-la. Ao fazê-lo, Israel poderia também obter vantagens políticas. Os israelenses poderiam alegar que o fechamento da usina demonstra seu empenho em reduzir as tensões nucleares regionais, simultaneamente emitindo uma mensagem sobre a (in)sensatez de construir reatores na região mais volátil do mundo.

Com efeito, cerca de uma dúzia de países do Oriente Médio e no norte da África pretendem construir usinas nucleares de eletricidade. Tendo em vista as históricas tentativas de atingir militarmente instalações atômicas, os planejadores deveriam ponderar se faz sentido criar alvos radioativos muito maiores do que Dimona, vulneráveis a seus adversários. Até que o Oriente Médio solucione suas diferenças políticas, isso pode não fazer sentido.

Bennett Ramberg foi membro do Birô de Assuntos Político-Militares no governo de George H. W. Bush. É autor de diversos livros sobre segurança internacional. © Project Syndicate/Europe´s World, 2007. www.project-syndicate.org