Título: Aportes japoneses em álcool ainda no papel
Autor: Scaramuzzo , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 21/12/2007, Agronegócios, p. B14
Importante porta de entrada em potencial para o álcool brasileiro na Ásia, o Japão ainda está longe de confirmar as expectativas dos exportadores. Apesar das promessas de Tóquio, o programa de mistura do combustível na gasolina vendida naquele mercado continua parado. E, ao mesmo tempo, não saem do papel os polpudos investimentos anunciados por grupos japoneses em usinas no Brasil.
A demora para a realização dos aportes está relacionada à tradicional cautela japonesa para mudanças importantes como será a entrada do etanol em sua matriz energética. Mas, para especialistas e usineiros do Brasil, pode significar o sepultamento de projetos e repercussões negativas para as pretensões brasileiras de contar com âncoras para o álcool também em outros países da região, como a Coréia do Sul.
"O que falta é decisão política. O setor privado tem pressionado o governo do Japão para que a mistura seja adotada", afirma Takao Omae, presidente da subsidiária da Mitsui no Brasil. A empresa formalizou, em 2006, uma parceria com a Petrobras para investimentos conjuntos - como sócias minoritárias - em usinas de álcool no país, mas até agora muito pouco aconteceu.
Ambicioso, o plano previa a construção de 40 plantas, com aporte total da ordem de US$ 10 bilhões - cerca de US$ 250 milhões por unidade, cada qual com moagem total de 4 milhões de toneladas de cana por safra. Isso para exportar toda a produção de álcool combustível das plantas para o Japão, em linha com a preocupação dos asiáticos de garantir oferta para a mistura à gasolina.
O projeto se baseou nas projeções de que a demanda japonesa chegará a 1,8 bilhão de litros anuais com a adoção de um percentual de 3% de mistura de etanol à gasolina. Tal mistura já poderia até ser feita, mas não é. E, como o programa de mistura obrigatória do país parece distante, o aceno do Japão de que um dia o percentual de mistura poderá chegar a 10% continua submerso.
Se já é normalmente conservador, o Japão tem motivos para frear a onda do etanol. Com o petróleo em alta e as crescentes preocupações ambientais, o futuro global do combustível parece garantido, mas há problemas de diversificação de oferta e demanda no curto e médio prazos, que também seguram outros projetos no Brasil e nos EUA. Para tornar-se commodity, é preciso vários países produtores e consumidores. Como ainda não há, o Japão teme uma eventual dependência do Brasil.
Dos 40 projetos anunciados, Petrobras e Mitsui afirmam que cinco estão mais avançados. Dois deles - em Chapadão do Céu (GO) e outra em Chapadão do Sul (MS) - são com a Equipav. Mas, segundo Newton Salim Soares, diretor-superintendente da empresa paulista, não há nada decidido. "Trocamos e-mails [com Petrobras e Mitsui] na semana passada. O assunto está em pauta, ninguém desistiu, mas não há nada concreto".
Para o ex-ministro Roberto Rodrigues, co-presidente da Comissão Interamericana do Etanol (CIE), os japoneses são cautelosos mesmo e não há motivo para desesperanças. "Basta lembrar do caso da manga. O país levou 24 anos para importar o produto do Brasil. No caso das carnes, ainda há negociações em curso". Com a diplomacia de quem já convidou o ex-premiê Junichiro Koizumi para co-presidir a CIE, Rodrigues lembra que o Japão já influenciou o desenvolvimento de tecnologia hortifrutigranjeira e impulsionou o conceito de cinturões verdes no Brasil, além do apoio "ao espírito associativo, representado pelas cooperativas".
Além das usinas de Mitsui e Petrobras continuarem nas pranchetas, no mercado teme-se pela sorte do projeto da estatal brasileira de construir um alcoduto de Senador Canêdo (GO) a Paulínia (SP), considerado importante para o escoamento das exportações do Brasil. Neste, a Petrobras planejou ter participação de um terço, sendo outro terço da Camargo Corrêa.
"Resta saber quem serão os outros investidores", diz uma fonte da Petrobras. A mesma fonte nega que usinas ou alcoduto tenham subido no telhado. Lembra que a companhia mantém no Japão um escritório para colocar em prática seus planos, mas admite também estar com o freio de mão puxado devido à falta de decisão política de Tóquio. Já Omae, da Mitsui, reitera que demora não significa desistência. "Em 2008, haverá a conferência global sobre mudanças climáticas. A introdução do etanol seria uma boa prática". A Mitsui já investe em etanol nos EUA.
Outra companhia japonesa que prospecta o mercado brasileiro de etanol é a Itochu Corporation. No fim de 2006, a trading fechou acordo com a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) e com a Companhia de Promoção Agrícola (Campo) para realizar estudos de implantação de projetos de produção de biocombustíveis até 2008 no país. Os estudos ainda não renderam projetos.
Efetivamente, somente a trading Mitsubishi tem negócios com álcool no Brasil. Mas não combustível, só industrial. Em março, a empresa acertou a compra de 30% da produção da usina Boa Vista, construída pelo grupo São Martinho em Goiás, por 30 anos. No pacote, a São Martinho vendeu 10% da Boa Vista para a Mitsubishi. O Japão é tradicional importador de álcool finos (para indústrias e bebidas e farmacêuticas) do Brasil, com a aquisição de cerca de 300 milhões de litros por ano.