Título: Argentina vive expansão do crédito
Autor: Rocha , Janes
Fonte: Valor Econômico, 21/12/2007, Finanças, p. C12

A Argentina vive um "boom" do crédito ao consumo, segmento que já é o mais importante na carteira de alguns dos principais bancos do país. As operações de crédito a pessoas físicas que praticamente desapareceram com a crise de 2002, atingiram 30% do total de empréstimos este ano, depois de uma expansão de 40% ao ano nos últimos três anos. A recuperação econômica do país, com forte geração de emprego é o principal motor dessa expansão.

Fernando Bisutti, gerente de produtos do Santander Río, afirma que o aumento dos salários e do poder de compra estimulou os bancos a ampliarem a oferta de dinheiro para o crédito, completando as condições para a explosão dos financiamentos na Argentina. "Além do mais, houve uma aceleração nas aprovações de empréstimos graças à incorporação de tecnologias de avaliação creditícia", afirmou Bisutti.

O BBVA Banco Francés, que desde 2004 duplicou sua carteira, já é o segundo banco em colocação de empréstimos de consumo, com 6% do mercado. No último trimestre, liderou em volume e número de operações. "Esses fatores (maior crescimento e emprego) repercutem em uma maior propensão dos indivíduos a se endividarem no médio prazo para melhorar sua qualidade de vida, seja trocando de carro, reformando a casa ou concretizando planos que haviam sido postergados", explica um executivo do banco que preferiu não ser identificado.

O Santander Río registrou um aumento de 60% em seus empréstimos ao consumo nos últimos 12 meses até novembro, considerando todas as linhas a pessoas físicas (veículos, cartões de crédito e empréstimos pessoais). Só a de empréstimos pessoais aumentou 70%, levando o banco a ocupar 8,8% deste mercado que Bisutti calcula em 22 bilhões de pesos (aproximadamente US$ 7 bilhões).

O Banco Ciudad, focado em empréstimos pessoais de baixos valores para aposentados, pensionistas e funcionários públicos, aumentou sua carteira "no ritmo do mercado", informou a Gerência de Estudos Econômicos da instituição.

A velocidade de expansão do crédito só não é maior porque os bancos não conseguem alongar os prazos dos depósitos que dão lastro aos financiamentos. Uma radiografia do setor elaborada pelo economista David Mermelstein, da consultoria Econviews, mostra que enquanto a demanda por crédito cresce a 40%, o volume de depósitos vem aumentando a 20%, pressionando a liquidez dos bancos. Além disso, a maioria dos depósitos a prazo (67%) é inferior a 90 dias.

A crise do mercado imobiliário americano piorou um pouco o cenário para os bancos argentinos. Os depósitos encurtaram em volume e prazo e as taxas de juros dispararam. Os juros dos depósitos interbancários saltaram de 8% ao ano entre junho e julho para 14,6% em agosto. Depois que o Banco Central anunciou em outubro uma série de medidas para melhorar a liquidez do sistema, os juros voltaram aos 12,5%. O volume de depósitos a prazos superiores a 180 dias, que representava 23% do total no primeiro trimestre de 2007, baixou para 12% no terceiro trimestre. Ao mesmo tempo, os depósitos com até 90 dias que representavam em 58% do total no começo do ano, agora são 67%.

Diante da falta de depósitos de mais longo prazo e para não ficar fora do boom de consumo do país, os bancos aumentaram as operações de securitização. Através de um instrumento local chamado "fideicomisso" - uma espécie de fundo de recebíveis - os bancos securitizaram em 2007 mais de 7,4 bilhões de pesos (US$ 2,35 bilhões aproximadamente), 25% mais que em 2006, segundo dados da Comissão Nacional de Valores, a CVM argentina. Mais de 90% dos fideicomissos são lastreados em operações de crédito ao consumo, incluindo empréstimos pessoais, com ou sem garantia de bens, cartões de crédito e parcelamento de compras no varejo.

A expectativa é de uma desaceleração em 2008. "Entendemos que o crescimento será sustentado apesar de que para o ano que vem sentiremos uma desaceleração dos indicadores gerais, principalmente pela saturação do mercado alvo", disse o executivo do BBVA Banco Francés. Para Bisutti, do Santander, a saída para enfrentar um cenário de menor demanda em 2008 será a captação de novos clientes, com apelo de novos produtos. "Facilidade, rapidez e novos canais de venda. Estas passarão a ser variáveis chave para o ano que vem", diz o executivo.

Superada a pior crise bancária que o país já teve, o desafio agora é ampliar os empréstimos para pequenas e médias empresas e o acesso da população de mais baixa renda ao sistema bancário, disse semana passada o presidente do Banco Central, Martin Redrado, durante o Latin América Emerging Markets Fórum, em Montevidéu, Uruguai. "Na Argentina, 90% das transações financeiras ainda são feitas em dinheiro vivo", informou Redrado.