Título: Medidas do INSS e estabilidade elevam gastos das empresas
Autor: Watanabe , Marta ; Maia , Samantha
Fonte: Valor Econômico, 10/12/2007, Brasil, p. A8

No início do ano, um aviso de demissão de empregados levou representantes da General Motors e do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, interior paulista, a negociar o retorno ao trabalho de 79 funcionários da montadora. O grupo era composto por pessoas em período próximo à aposentadoria e por trabalhadores portadores de moléstias ocupacionais. A empresa iniciou a negociação após denúncia do sindicato ao Ministério Público do Trabalho.

Após duas audiências, a fabricante de veículos e o sindicato chegaram a um acordo que, segundo o Ministério Público, reintegrou 23 funcionários com doenças do trabalho. O retorno ao emprego foi obtido em razão de uma cláusula da convenção coletiva dos metalúrgicos da região. Ela garante estabilidade até a aposentadoria para quem adquire moléstias ocupacionais. Segundo o sindicato, outros 45 empregados esperam obter a reintegração com o mesmo argumento. Por lei, a estabilidade é de apenas um ano após a alta.

A assessoria de imprensa da montadora confirma a reintegração e informa que, no momento do aviso de demissão, a empresa desconhecia que o grupo incluía trabalhadores com doenças.

O caso da GM não é isolado e deve se tornar cada vez mais freqüente. A estabilidade até a aposentadoria, histórica na região, é um ponto de conflito cada vez maior em razão de recentes medidas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que facilitam a identificação das doenças ocupacionais e aceleram o retorno dos trabalhadores às empresas. As iniciativas, que têm como objetivo reduzir as despesas da Previdência com o pagamento de auxílios por doença do trabalho, resultam em aumento de responsabilidades e dispêndios para as empresas.

Instituída em 2005, a chamada "alta programada" determina uma data de retorno automático ao trabalho sem a necessidade de uma nova consulta, como era antes. A medida aumentou o corte de benefícios pelo INSS. Em mais de uma década, de 1993 a 2004, o volume de auxílios por doença cancelados teve pequena evolução, de apenas 5,4%. Após a vigência da alta programada, a elevação de benefícios cancelados pelo INSS chegou a 22,6% em dois anos.

O advogado Otávio Pinto e Silva, da área trabalhista do escritório Siqueira Castro Advogados, acredita que apenas a alta programada acelerou entre 15% e 20% o retorno dos trabalhadores em auxílio acidentário nos casos de seus clientes. "Esse fluxo maior ocasiona uma dificuldade de realocação mesmo quando os empregados têm apenas a estabilidade da lei. Se há uma garantia maior, o problema se agrava."

O advogado trabalhista Luiz Coelho, sócio do escritório Coelho, Morello e Bradfield Advogados Associados, conta o caso de uma companhia com 3,5 mil funcionários. A empresa já tem 120 empregados remanejados em função de moléstia ocupacional. Atualmente ela está com mais 64 trabalhadores para realocar e há outros 200 que devem voltar em breve. "Em função da alta programada, o fluxo de funcionários que a empresa precisa redistribuir ficou muito intenso", diz.

Coelho explica que, apesar da alta do INSS, boa parte dos trabalhadores não está apta a exercer as funções que ocupava anteriormente. "A estabilidade faz com que a empresa seja obrigada a criar novas vagas. A companhia começa colocando o trabalhador na portaria e na recepção, por exemplo. Mas há um determinado momento em que não há mais lugares."

Um metalúrgico que não quis ser identificado conta que foi afastado por Lesão por Esforço Repetitivo (LER) em janeiro de 2003. A doença foi diagnosticada pelo INSS como resultante da atividade profissional. Em maio de 2006, quando retornou à empresa, não conseguia mais manusear as peças da linha de montagem. "Permaneci graças à estabilidade", diz o metalúrgico, que hoje é responsável por colocar o manual junto ao produto antes do empacotamento.

A estabilidade até a aposentadoria não está restrita a São José dos Campos. Também é garantida para metalúrgicos de outras regiões do interior paulista, como Campinas, Limeira e, mais recentemente, da Baixada Santista.

Os sindicatos calculam que em São José dos Campos a estabilidade garante o emprego de 9% a 11% dos trabalhadores do setor automotivo, e na Baixada Santista, há 2 mil lesionados para uma base de 25 mil metalúrgicos. Em Campinas, o Sindicato dos Metalúrgicos estima que dos 52 mil trabalhadores da base, ao menos 10 mil possuem emprego garantido por conta dessa cláusula. Os números oficiais da Mabe Campinas, fabricante de fogões para as marcas GE e Dako, confirmam essa proporção. Dos seus 1.735 trabalhadores, 154 estão na estabilidade. A companhia não quis dar mais detalhes.

As empresas não aceitam pacificamente a garantia. "Os trabalhadores que retornam não estão inválidos, mas as empresas se queixam que a necessidade de mantê-los e contratar outro para exercer a antiga função eleva os custos", diz Jair dos Santos, presidente do sindicato de Campinas.

O metalúrgico conta que a manutenção da cláusula é alvo de conflito em todas as discussões de convenção coletiva. As companhias buscam alternativa a esse direito, segundo Aristeu Pinto Neto, advogado no Sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos. "As empresas sempre tentam derrubar a garantia ou negociá-la com outro benefício", diz

Silva, do Siqueira Castro, lembra, porém, que a revogação da estabilidade não tem dado alívio imediato para as empresas. "A Justiça do Trabalho tem mantido a garantia de emprego caso o trabalhador tenha adquirido a moléstia na vigência da convenção que previa estabilidade."

O advogado cita o caso de um cliente que recentemente transferiu sua fábrica para uma região cuja base sindical não tem a mesma garantia de emprego. Mesmo assim, não pôde demitir cerca de 30 metalúrgicos cobertos por uma estabilidade prevista na convenção da época em que foram afastados. "A companhia tentou levar todos para a nova planta."

O advogado explica que a empresa chegou a pagar aluguel, custear a mudança e oferecer passagens para retorno dos metalúrgicos, nos casos em que a família não acompanhou o trabalhador. "São benefícios que normalmente não seriam oferecidos para esse perfil de empregado. A empresa preferiu ter esse tipo de dispêndio do que correr o risco de ser acusada de desrespeitar a estabilidade em ação trabalhista", diz. Mesmo assim, não houve solução para todos. "Cerca de 40% não aceitaram a transferência para a nova planta, tiveram o contrato rescindido e alguns já buscaram o Judiciário."

Remigio Todeschini, diretor do Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional do Ministério da Previdência Social, diz que o objetivo das medidas do INSS não é trazer um dispêndio ou um passivo para as empresas. "O que queremos é atender a prevenção. Se a companhia é um péssimo gestor, precisa arcar com o custo. As estatísticas do INSS mostram que já há melhoras em muitos segmentos."

O advogado Luiz Coelho diz, porém, que mesmo aquelas que investem em prevenção têm arcado com custos. As empresas, analisa, estão atualmente lidando com a herança de uma época em que a segurança do trabalho não era prioridade.