Título: Governo deve buscar os culpados da base aliada
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Fonte: Valor Econômico, 10/12/2007, Opinião, p. A16

Em discurso proferido quinta-feira no Pará, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro que pretende responsabilizar a oposição se o governo ficar sem os R$ 40 bilhões da arrecadação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Antes de culpar tucanos malvados e Democratas demoníacos, ou ricos numa perversa conspiração contra os pobres, como voltou a fazer também em terras paraenses, Lula deveria deveria dedicar mais atenção às cercanias do Palácio do Planalto. Há algo de podre na chamada "base de sustentação do governo", ao fim e ao cabo a responsável número um pela aprovação ou derrubada do imposto do cheque.

A oposição vive seus próprios impasses. No caso do PSDB, também está dividida, a ponto de os tucanos terem dificuldades de votar contra - isso mesmo, contra - a prorrogação da cobrança da CPMF por mais quatro anos. Mas a oposição mal soma 30 votos no Senado. Nominalmente, a "base de apoio ao governo" conta com a adesão de 53 senadores, número mais que suficiente para a aprovação de emendas constitucionais, como é o caso da prorrogação da CPMF e da Desvinculação das Receitas da União (DRU), que requer o voto qualificado de 49 senadores.

O governo mendiga os votos da oposição porque constituiu uma maioria virtual no Senado. Maioria assentada em bases frágeis, na qual o preço do voto é estabelecido a cada votação, como se vê agora mesmo nas alegações de senadores governistas para se omitir na prorrogação da CPMF, a exemplo do que ocorreu na Câmara dos Deputados, Casa na qual Lula exibe maioria nominal mais confortável. Basta lembrar os três meses que a emenda hibernou na gaveta do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) - e que agora fazem falta ao governo - até o Palácio do Planalto se dispor a entregar o butim exigido pelo pemedebista na direção de Furnas.

Reza a lenda que o vampiro só entra em casa na qual é chamado. O Palácio do Planalto tem responsabilidade sobre o que acontece com sua "base de apoio" no Congresso, pois foi no fisiologismo que pautou a adesão de mais "aliados" em troca de cargos, verbas e outros favores nada republicanos. Exemplo disso foram as adesões à pressas de senadores ao final do prazo para a filiação partidária de candidatos às eleições de 2008. Isso mesmo depois que a Justiça Eleitoral ameaçou de perda de mandato os congressistas infiéis.

É dever do governante estabelecer as regras de relacionamento com o Congresso. O fisiologismo sempre pautou essas relações, mas ele foi mais ou menos explícito, mais ou menos corrosivo, de acordo com a distância imposta pelo governo. No segundo mandato de Lula, a base perdeu de vez o pudor, ao perceber que o presidente corria atrás de uma ampla maioria congressual, talvez por temer o que se passou no primeiro mandato, quando esteve próximo de sofrer um processo de "impeachment" por causa do mensalão, o escândalo que marcou o fim da ilusão de ética petista.

Não é a defesa do contribuinte que leva o senador Expedito Júnior (PR-RO), por exemplo, a anunciar voto contra o imposto do cheque. São as demandas ainda por resolver da liquidação do antigo banco estatal de Rondônia. Esse é o tom de uma negociação que levou o Tesouro Nacional, na semana passada, a liberar até o último centavo dos recursos previstos para atender as emendas de parlamentares no Orçamento Geral da União de 2007. Dinheiro que será empenhado, mas só será efetivamente pago depois que o Planalto conferir, no painel, os votos de cada senador.

Ao sair de casa em casa para dizer "quem são os senadores responsáveis por deixar milhões de pessoas sem o benefício do Bolsa Família", na hipótese de rejeição da CPMF, além da oposição, Lula não poderá esquecer de nominar, também, aqueles que chamou para ajudá-lo a governar o país. A "base de sustentação do governo", no Senado e na Câmara, é obra perfeita e acabada do Palácio do Planalto, em termos consentidos pelo presidente da República.

A oposição tem os próprios demônios a exorcizar e parece num beco sem saída: se a CPMF for aprovada, até com seu auxílio, Lula colherá os louros; se for rejeitada, PSDB e PFL serão culpados por cada paciente que morrer na fila do hospital, por falta de atendimento, ou por nevascas na Amazônia. Dinheiro para o programa Bolsa Família dificilmente faltará.