Título: Só falta a China na globalização da JBS
Autor: Lopes , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 10/12/2007, Agronegócios, p. B12

Engana-se quem vê na aquisição de 50% da italiana Inalca pela JBS simplesmente a entrada da empresa brasileira na Europa. Também erra quem nivela esta última tacada da controladora do Friboi à compra da americana Swift & Company, concluída em julho.

Contar com um braço europeu com acesso já garantido à Rússia e à África, como é a Inalca, talvez seja tão importante quanto assumir uma frente americana com presença na Austrália e possível entrada no Japão no curto prazo, que é o caso da Swift. As semelhanças param por aí.

Um abismo entre o que representam as duas operações se abre quando Joesley M. Batista, presidente da JBS, explica os últimos passos da globalização daquela que se tornou, com a Swift, a maior empresa do setor de proteína de origem bovina do mundo, com faturamento anual consolidado de US$ 12 bilhões.

E Batista não precisa sequer concluir seu raciocínio - apresentado na sexta-feira, em São Paulo, a jornalistas e depois a analistas de mercado - para que as platéias entendam que a JBS já se prepara para no futuro fechar sua volta ao mundo com uma frente importante na China, onde o mercado de carnes, puxado pelo espantoso crescimento econômico do país, começa a se tornar atraente.

Guiam os movimentos da JBS no tabuleiro global a lógica de garantir oferta de matéria-prima e abrir mercados para seus produtos, in natura ou processados. Óbvia em princípio, a tática serve para quem está em apenas um país ou para quem atua em várias mercados. Neste último caso, porém, cada passo tem que levar em conta barreiras capazes de estancar o comércio a qualquer hora.

E, como sempre atenta o ex-ministro Pratini de Moraes, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), tais barreiras se definem cada vez menos por taxas e mais por condições sanitárias e de sustentabilidade

Este cuidado é latente na estratégia de expansão da JBS. A empresa iniciou sua internacionalização com a compra do controle da argentina Swift Armour, em 2005. Com a transação, entrou em um mercado consumidor em recuperação, o que não é desprezível. Mas, principalmente, começou ali a diluir um risco sanitário até então concentrado no Brasil.

Semanas após fechar o negócio, por US$ 200 milhões, foram confirmados casos de aftosa em gado do Mato Grosso do Sul e do Paraná, e mais de 50 países baniram total ou parcialmente a carne brasileira. A companhia tinha unidades no Brasil em Estados que não foram afetados por algumas barreiras importantes e se livrou do pior, mas contar com um braço argentino foi um trunfo.

Ele já seria um diferencial mesmo sem o problema sanitário brasileiro. A argentina Swift já exportava 70% de sua produção, para mais de 70 países, e tinha como principal mercado externo os EUA. Também para a União Européia, que até hoje impõe limites ao Brasil por causa da aftosa em 2005, a JBS passou a ter uma opção a mais de fornecimento. Apesar das restrições às exportações depois adotados pela Casa Rosada, em uma tentativa de conter a inflação, pela porta argentina a empresa brasileira deverá exportar US$ 200 milhões em 2007, segundo Batista.

Quando surgiu a oportunidade de comprar a americana Swift Foods and Company (a operação foi concretizada em julho, por US$ 1,4 bilhão), a JBS já conhecia melhor o terreno nos EUA e aproveitou a experiência para acelerar a digestão do ativo adquirido - que rendeu à dona do Friboi a liderança mundial, mas cujo gigantismo escondia sérios problemas financeiros e gerenciais.

Com a Swift Foods veio a estréia em carne suína, e a possibilidade de acesso a outros mercados para bovinos. As exportações a partir desta frente somarão US$ 1 bilhão em 2007, e se Washington convencer Tóquio a abrir o mercado japonês à carne americana, este montante deverá dobrar, segundo Batista. Detalhe: a Swift Foods já tinha acesso ao Japão por meio de uma operação na Austrália, que tradicionalmente abastece o país asiático e vizinhos como a Coréia. Por meio do braço australiano, as exportações da JBS atingirão US$ 1,7 bilhão este ano.

Com variadas fontes de oferta, ficou mais fácil pensar em uma investida insinuante na Europa. E ela veio na semana passada, com o anúncio da aliança com a italiana Cremonini. Ambas passaram a dividir o controle da Inalca, que nas mãos da Cremonini tornou-se uma das maiores processadoras de bovinos da Europa.

Acumulava, contudo, dívidas de 300 milhões de euros. Foi desenhada uma operação financeira para elevar o capital e equacionar o passivo da Inalca e a JBS desembolsou 225 milhões de euros por 50% da companhia, que já tem boa presença na Rússia e no incipiente mercado da África.

E aqui há uma diferença vital em relação à americana Swift. Enquanto nos EUA a JBS correu para trocar executivos, azeitar a engrenagem e sepultar o passado, na Itália Joesley Batista quer aprender. De acordo com ele, a Inalca é produtiva, automatizada e está no celeiro tecnológico do norte de seu país. Na Rússia, tem uma fábrica maior do que a inaugurada pela Sadia. Assim, a JBS terá na italiana a presidência do conselho e o principal executivo financeiro, mas o CEO atual deve permanecer.

A "ponte aérea" Brasil-Itália também teve um empurrão especial do ministro italiano da Agricultura, Paolo De Castro, que esteve em Santa Catarina na semana passada interessado em abrir seu país ao gado do Estado, que é livre de febre aftosa sem vacinação. Ajuda? "Ele veio por nossa causa", diz Batista. E sorri.

Perguntado sobre o que falta para completar a globalização, Joesley Batista devolve de bate-pronto: "A China". Não há aporte previsto, mas as vendas da JBS para Hong Kong já dobraram. No terceiro trimestre, responderam por quase 10% dos embarques a partir do Brasil. Batista reconhece que vendas polpudas podem justificar futuras instalações.

Ambiciosa e acelerada, a expansão da JBS, que também ocorreu no mercado doméstico - em 2007, pela primeira vez, as exportações a partir do Brasil alcançarão US$ 1 bilhão -, é encarada com ressalvas por analistas, que vêem em sua dívida líquida (US$ 1,2 bilhão), um sintoma perigoso da expansão. Tanto que, na Bovespa, as ações não decolam. Com preços favoráveis como os atuais, afirmam, o risco é menor. Mas guinadas podem causar problemas.