Título: Na segunda parte, o filme começa a mudar
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2005, Política, p. A6

Tão governista quanto Luiz Eduardo Greenhalgh, só mesmo Virgílio Guimarães. Em trinta votações nominais importantes na Câmara entre 2003 e 2004, os dois candidatos petistas à presidência da Câmara jamais divergiram da orientação do líder do governo, o Professor Luizinho. O primeiro votou igual a Luizinho em 25 das 30 ocasiões e ausentou-se nas restantes. O segundo acompanhou o líder 26 vezes e não apareceu em quatro. O que pode turvar o cenário político para o Palácio do Planalto nos próximos dois anos não é uma disputa de personalidades, mas o que o embate em curso projeta, independente de seu resultado: uma maior tendência do Legislativo em estruturar uma agenda parlamentar própria. Para o governo, o melhor já passou. Por isso a alegria dos oposicionistas com a divisão do outro lado e a disposição em fazer o possível para que o problema aumente, seja com a candidatura sem chances do deputado pefelista José Carlos Aleluia, que favorece um segundo turno, seja com o visível desânimo do PSDB em ajudar qualquer dos contendores. "Em todo começo de governo, o presidente vive seu momento supremo em um Congresso ainda desentrosado, sem interesses claramente definidos. Isto faz com que o governo dite a pauta. Com esta disputa, haverá seqüelas de um jeito ou de outro", prevê e torce o oposicionista Alberto Goldman (PSDB-SP). Alimenta a disputa na Câmara um fenômeno que se repete no país desde os primeiros ensaios de redemocratização e que aponta para possíveis problemas no horizonte governista: os deputados descolam do Palácio do Planalto na segunda metade do mandato e o marco zero deste processo sempre é a eleição da mesa diretora da Casa. Já na primeira parte do mandato, o Executivo tem a seu dispor um Legislativo dócil. Em 1981, o candidato oficial do governo Figueiredo, Nelson Marchezan, foi desafiado dentro do seu partido, o PDS, pelo deputado Djalma Marinho. Foi a primeira vez que isso ocorreu desde o início do regime militar. Naquele mesmo ano, o Planalto começou a ser desafiado em seguidas votações no plenário da Casa. Desconte-se da regra os casos de Sarney, Collor e Itamar, em que o período de governo não coincidiu com o início de uma legislatura. No governo Fernando Henrique, entre 1995 e 1997, sob comando de Luiz Eduardo Magalhães, a Câmara entregou tudo ao presidente: emendas constitucionais abrindo a economia, reeleição, apoio para pacotes econômicos e extermínio da profusão das CPIs que marcaram a legislatura anterior. Na virada da metade do mandato, Michel Temer escapou de enfrentar um segundo turno na disputa para presidente da Câmara por um voto. E candidato oficial que não consegue a maioria dos votos em uma votação, dificilmente reverte o quadro em uma segunda rodada de votos. "Se tivesse segundo turno, eu perdia", admite hoje Temer. Nos anos de 1997 e 1998, as reformas constitucionais pregadas pelo governo empacaram. No segundo mandato de Fernando Henrique, o descolamento foi muito maior. Depois de dois anos de calmaria no Congresso, entre 1999 e 2000, o tucano Aécio Neves elegeu-se presidente da Câmara em uma disputa fratricida com o PFL, cujo resultado final foi a implosão da aliança governista na sucessão presidencial. Na legislatura atual, João Paulo Cunha, um deputado que era expressivo dentro do grupo que compunha a direção do partido, mas com atuação opaca fora dos bastidores da sigla, ganhou a presidência da Casa sem contestação alguma. Na primeira metade do mandato, os deputados deram a Lula a segurança que um Senado com forte presença oposicionista retirou. Inverteu-se o papel das Casas legislativas: o ambiente formulador foi o Senado, em que projetos como o das PPP, da reforma tributária, da reforma previdenciária e da Lei de Falências foram amplamente discutidos. A Câmara virou a casa revisora, corrigindo algum excesso oposicionista dos senadores.

A Câmara tende a descolar do governo

O contraste com as dificuldades que o Planalto enfrenta agora é evidente. Renan Calheiros se elegerá presidente do Senado sem sinais de que esta Casa do Legislativo torne-se mais governista. Tornou-se candidato contra a vontade de parte do governo federal e vai ganhar com poucas dívidas de campanha a liquidar. Se Greenhalgh ganhar na Câmara, terá uma lista enorme de credores para atender, pedindo mais concessões ao Planalto, aumentos salariais, liberação de emendas no Orçamento, cargos, pulso firme contra o excesso de medidas provisórias etc. Caso a vitória vá para Virgílio, será a primeira vez na história brasileira em que a vontade do presidente não se fez realidade na eleição da Mesa. A conclusão é que é prudente o governo federal comprar galochas e capas de chuva, porque o tempo começa a fechar depois do verão. Muito pior do que parecia O secretário municipal de Finanças de São Paulo, Mauro Ricardo Machado Costa, foi mal compreendido quando discorreu sobre o que representaria a contribuição previdenciária que o governo paulistano quer instituir para cobrir o rombo do setor. Os gastos previdenciários anuais não superam a receita a ser gerada em uma vez e meia. Ultrapassam-na em dez vezes. O déficit anual é de R$ 1,5 bilhão e a receita estimada da contribuição será de R$ 140 milhões. Resta discutir se o desgaste que o prefeito José Serra terá que enfrentar ao cobrar a contribuição dos servidores será proporcional a tão pequeno efeito arrecadatório. Só o Senado Amigos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso começam a concluir que dificilmente o tucano aceitará disputar o governo paulista, como desejam alguns aliados do governador Geraldo Alckmin. Mas se entusiasma a disputar o Senado pelo Estado. Usando o parâmetro da República Velha, FHC estaria menos para Rodrigues Alves, presidente com fama de desenvolvimentista que tornou-se governador depois do mandato, do que para Campos Salles, que jogou suas fichas na estabilização da economia e, saindo do Catete, voltou para o Senado.