Título: Maior inflação em 12 anos desafia governo da Bolívia
Autor: Moura, Marcos ; Souza
Fonte: Valor Econômico, 18/12/2007, Internacional, p. A11

O governo do presidente da Bolívia, Evo Morales, teve um ano de intensos confrontos com setores da oposição, que promoveram paralisações e protestos e acabaram anunciando estatutos de autonomia de quatro Estados neste fim de semana. Mas, fora do campo político, Morales enfrenta outro inimigo contundente: a maior inflação do país dos últimos 12 anos, em meio a crescimento baixo.

O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) de novembro atingiu 11,86% em relação ao mesmo mês de 2006. O acumulado nos 11 meses deste ano está em 11,02%. Trata-se da maior taxa desde 1995, quando os bolivianos viram os preços subirem 12,58%. Entre 1996 e 2006, os preços ao consumidor ficaram sempre abaixo da casa dos 4% - à exceção de 1996 e 1997.

No início do ano, o governo previra inflação de 3,7%. Entre junho e julho, refez as contas e passou a falar em 6,5%. Depois, não apresentou mais projeções. Oposicionistas esperam que o IPC feche o ano entre 12% e 14% - enquanto o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 4,55% para 3,15%, entre o segundo trimestre de 2006 e 2007.

O Instituto Nacional de Estatísticas da Bolívia (INE) aponta o fenômeno climático El Niño como fator central para a disparada inflacionária. No fim de 2006 e início de 2007, problemas climáticos levaram à morte grande quantidade de gado adulto e de bezerros. Propriedades no leste boliviano - região mais rica do país - foram particularmente atingidas pelos efeitos do fenômeno, que este ano teve uma força maior que o comum.

O efeito da redução do rebanho levou alguns meses para ser sentido. Mas, em setembro, a queda da oferta de carne começou a pressionar os preços. De acordo com o INE, em novembro o item que mais influenciou a inflação foi justamente a carne bovina, cujos preços subiram de um mês para outro nada menos que 5,31%. Os preços do arroz e da cenoura tiveram aumentos ainda maiores (9,03% e 22,32%, respectivamente), embora o impacto na inflação seja menor.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o INE disse ao Valor que os que mais sentem a essa elevação de preços de produtos alimentícios são os bolivianos de mais baixa renda - faixa da população que integra, de modo geral, base eleitoral do presidente Evo Morales.

Segundo o INE, além do El Niño, o interesse gerado pelos biocombustíveis levou produtores de soja da Bolívia a destinarem parte de sua produção ao novo mercado de energia em detrimento do setor de alimentos - afetando também os preços.

Para recompor a oferta, o governo central tem, nos últimos meses, comprado carne de outras regiões do país e tentado abastecer mercados onde há escassez do produto. Para compensar as perdas com a inflação, Morales discute um reajuste de salário mínimo em 2008 - hoje de 453 bolivianos (ou R$ 106). Segundo o INE, o reajuste deve pelo menos empatar com a inflação.

Para críticos do governo, como o analista político Germán Gutierrez, o El Niño teve sim seu papel na inflação, mas, segundo ele, a influência política na condução econômica também traz prejuízos. "O governo desprezou conhecimentos e pôs em postos-chaves pessoas que não têm capacidade administrativa", disse. A inflação é um teste de fogo para a equipe de Morales.