Título: Apesar das promessas, a CPMF pode ser reinstituída
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/12/2007, Opinião, p. A14

A cobrança da CPMF foi apenas interrompida e o que o governo estuda é a melhor forma de ressuscitá-la, desta vez com o apoio da oposição. O ministro da Fazenda, Guido Mantega foi duas vezes contraditado pelo próprio presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, mas Lula não chegou a negar a possibilidade de as medidas que seu ministro aventou estejam descartadas, e sim que não houve a apresentação formal de um pacote de ações para substituir a arrecadação de R$ 40 bilhões que a CPMF proporciona - e muito menos decisões. É possível ao governo sobreviver sem as receitas da contribuição. O esforço, embora não seja tão radical, parece demasiado grande para uma administração que preza a ampliação do Estado e a contratação de funcionários públicos, e cuja meta principal, o Programa de Aceleração do Crescimento, começa a deslanchar.

Até agora, a voz do bom senso coube ao presidente Lula. Seria bom que o que o presidente insinuou se materialize: não haverá nova CPMF, a meta de superávit fiscal, de 3,8% do PIB, será mantida e não haverá aumento da carga tributária, nem corte de gastos sociais. O que dá tranqüilidade ao presidente é o bom desempenho da economia, que já colocou mais do que uma CPMF nos cofres públicos neste ano. Como informou o Valor (14 de dezembro), entre as primeiras estimativas de arrecadação e a que se concretizará no exercício, a diferença para mais é de R$ 40,63 bilhões. As receitas deverão fechar o ano R$ 63,18 bilhões maiores do que em 2006. Não é uma exceção: a arrecadação federal bate recordes todos os anos.

A derrota do governo no Senado pode, se não interromper a trajetória de aumento de gastos correntes, diminuir substancialmente a propensão de aumento das despesas da União. Mas todo o episódio da CPMF ainda deixa ao governo uma boa margem de manobra para reinstitui-la. Os governadores do PSDB que disputam um lugar para concorrer à sucessão de Lula se comportam como se estivessem no poder, com o "realismo" de sempre. Tanto Aécio Neves quanto José Serra fizeram o papel de defensores do Planalto junto a seu partido e apoiaram a permanência do tributo. Não se pode dizer que sejam incoerentes - foram os tucanos que inventaram esse que é um dos piores tributos nacionais. A oposição da bancada dos senadores ganhou por um fio, depois de ter se mostrado propensa a aceitar concessões que permitissem a permanência da cobrança. É possível que, sobre as bases do acordo que não houve, surja agora um acordo real que a traga de volta. Não é por outro motivo que o ministro Guido Mantega foi desautorizado por Lula. Uma nova articulação política está em jogo e é necessário não atrapalhar as negociações em curso.

A interrupção da CPMF abre espaço para uma discussão efetiva sobre tributos e despesas públicas, bem diferente da demagógica retórica governista, de que o caos na Saúde se instalaria (na verdade, as verbas da Saúde duplicaram desde 2000, de R$ 20 bilhões para R$ 47,8 bilhões previstos para 2008) ou de que os sonegadores são os que mais queriam o abolir a CPMF. Seu fim exigirá um esforço redobrado de cortes de despesas. Ele só não será drástico porque o governo não conseguiu gastar sequer metade dos R$ 38 bilhões previstos no Orçamento de 2007, a exemplo do que ocorreu com investimentos nos anos anteriores e que a proverbial incapacidade gerencial da atual administração faz prever para os próximos anos.

A lei do menor esforço pode prevalecer e uma nova CPMF aparecer no meio do caminho. Após uma derrota das proporções da que o governo sofreu, ela só poderá ter uma existência condicional, com regras bem delineadas. É um absurdo querer que o novo imposto seja permanente, para não ser "rediscutido" a todo momento. Quando a CPMF foi criada, percebeu-se que ela era tão ruim, exceto para capturar sonegadores, que sempre foi considerada provisória, e nunca se duvidou disso, e tão regressiva que o PT se bateu contra ela. Se for politicamente inevitável recriá-la, já que a tradição do Estado gastador prevalece com tucanos ou petistas no poder, é vital que sua alíquota seja menor que os 0,38% já de cara, com um calendário de novas reduções até se atingir um mínimo apenas fiscalizatório. E é imperativo criar um cronograma obrigatório de redução de gastos federais para o futuro.