Título: Caneladas do Brasil no FMI
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 29/01/2011, Economia, p. 15

Ministro da Fazenda desqualifica relatório do Fundo Monetário e diz que "velhos ortodoxos" estão bastante equivocados

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, ridicularizou ontem o relatório no qual o Fundo Monetário Internacional (FMI) faz duras críticas à situação fiscal nos países emergentes e, em especial, no Brasil. Mantega disse que o documento traz ¿observações equivocadas¿ sobre as contas nacionais e que, pelo teor, deve ter sido preparado por um dos ¿velhos ortodoxos do Fundo Monetário¿. Divulgado na quinta-feira, o Monitor Fiscal do FMI chamou a atenção para o agressivo ingresso de investimentos privados e para a superoferta de crédito, destacando que esses fenômenos deixam a economia exposta demais a riscos.

Em tom de revanche, Mantega desqualificou os argumentos apresentados no texto pelos economistas do organismo internacional. ¿Não é um relatório muito importante e certamente não reflete a opinião do diretor gerente, Dominique Strauss-Kahn. Aposto que ele não leu nem tomou conhecimento desse documento. A equipe do FMI hoje é de primeira linha e mudou sua filosofia em relação ao passado. Não são mais aqueles conservadores¿, contestou.

O monitor do FMI foi criado no ano passado para analisar as fragilidades fiscais de economias desenvolvidas, como Europa e Estados Unidos, mas também costuma abordar cenários de países emergentes. Na última edição, o levantamento destacou que o Brasil teve sua situação fiscal deteriorada em 2010. ¿Em 2009 e 2010, fizemos exatamente o que o FMI sugeriu. Uma política anticíclica, aumentando investimentos e gastos para recuperar o país. Agora, o FMI está dizendo que houve uma piora. Não procede¿, justificou Mantega.

Para o ministro, os dados divulgados ontem pelo Tesouro Nacional provam que a solidez fiscal aumentou. ¿Acho que o diretor gerente do FMI deve ter saído de férias e um daqueles velhos ortodoxos do Fundo Monetário escreveu esse monitor¿, ironizou Mantega.

Além do nível de poupança maior, se comparado com os R$ 39,4 bilhões economizados em 2009, Guido Mantega reforçou que as contas públicas devem encerrar o ano com uma relação entre a dívida pública e o PIB menor e com um resultado nominal menos negativo. ¿Na segunda-feira, o Banco Central vai divulgar o deficit nominal de 2010, que será algo em torno de 2,40% e 2,70%. A dívida pública também diminui este ano de 42,5% para algo em torno de 41%. É uma situação fiscal invejável¿, disse o ministro.

Apesar da defesa ao cenário fiscal, Mantega admitiu que os estados e municípios não cumprirão a sua parte na meta do governo deste ano (0,95% do PIB) e, portanto, exigirão o abatimento de parte dos investimentos realizados no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no ano passado. ¿Não acredito que vão cumprir totalmente, então vai faltar alguma coisa para completar os 3,1% e isso se dará com uma parte do PAC.¿

ANÁLISE DA NOTÍCIA No ataque sem rodeios

Provando que a atual relação do Brasil com o Fundo Monetário Internacional (FMI) nada tem a ver com a subserviência demonstrada na década passada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, mandou ontem um recado claro: não aceitará mais as críticas do Fundo à política econômica praticada no país. As observações do Monitor Fiscal foram publicadas na quinta-feira, mas o ministro aguardou a distribuição do relatório do Tesouro Nacional no qual constam as informações fiscais de 2010 para rebater o organismo.

Os comentários feitos ontem pela manhã seguiram o estilo atribulado de parte dos comunicados feitos pelo chefe da Fazenda. Mantega interrompeu uma dinâmica já conhecida pelos técnicos do Tesouro e pela imprensa, habituada à cobertura do tema, na qual o documento é liberado 30 minutos antes de uma entrevista coletiva comandada pelo secretário Arno Augustin. Sob a justificativa de que o ministro precisava se deslocar rapidamente para a base aérea, o anúncio foi organizado na porta do edifício sede do Ministério da Fazenda, o que gerou tumulto entre os presentes. A coletiva do secretário, por sua vez, estava agendada para as 11 horas, mas teve de aguardar enquanto o chefe da pasta contestava a avaliação feita pelo FMI. Surpreso ao chegar ao local, o chefe da equipe econômica cumprimentou a imprensa dizendo que ¿não esperava que houvesse tanta gente esperando.¿

Não é a primeira vez que Mantega descarta a utilização do amplo auditório localizado no andar térreo do mesmo prédio, com acesso privativo direto do gabinete, e convoca os jornalistas para pronunciamentos feitos na porta da rua, evitando questionamentos que não pretende responder nesses momentos. A justificativa é tornar menos solene os ¿rápidos comentários¿ feitos pelo ministro. (GC)