Título: Lições da votação da CPMF no Senado
Autor: Roma , Celso ; Ianoni , Marcus
Fonte: Valor Econômico, 18/12/2007, Opinião, p. A14

A proposta de emenda constitucional (PEC) 89/2007, que tinha como um de seus dois conteúdos a prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até 2011, foi rejeitada no Congresso Nacional. Após aprovação em dois turnos na Câmara dos Deputados, a manutenção da CPMF foi derrotada no Senado por não atingir os 49 votos necessários. Dos 81 senadores, um se ausentou e 80 registraram presença no plenário. Dos presentes, 45 votaram pela continuidade da cobrança, 34, contra, e um não votou, por ser presidente da Casa. O resultado dessa votação foi bem diferente do que se preveria em análises que contassem, em tese, com a sólida disciplina da coalizão de apoio ao presidente e com a forte influência exercida pelos governadores sobre os senadores por seus Estados.

O governo federal contava com os recursos da CPMF, estimados em torno de R$ 40 bilhões anuais, para continuar a financiar parte das despesas dos setores de saúde e previdência social. A contribuição também permitia à Receita Federal identificar eventuais sonegadores de impostos, cruzando informações contidas nas declarações de imposto de renda com os valores movimentados na conta corrente dos contribuintes. Diante da importância da matéria e da dificuldade de sua aprovação no Senado, o presidente da República tinha ao seu dispor os recursos políticos que normalmente fazem que seus interesses prevaleçam sobre o Congresso, sobretudo o poder de pautar a agenda legislativa, as liberações de verbas para emendas parlamentares ao Orçamento da União e as nomeações a cargos públicos. Além disso, o presidente Lula chegou a se empenhar pessoalmente na aprovação da matéria, investindo sobre aliados para garantir a unidade na base governista, tentando angariar votos da oposição, ou se dirigindo diretamente à opinião pública para criticar duramente forças econômicas contrárias à continuidade da CPMF. Os ministros Guido Mantega e José Múcio fizeram várias tentativas de se chegar a um acordo com os senadores resistentes, inclusive aumentado a taxa de isenção para a cobrança da contribuição. Momentos antes da votação, Lula assinou e enviou uma carta aos parlamentares para sensibilizá-los a apoiar a continuidade da arrecadação dessa contribuição financeira para os cofres públicos.

Os governadores, por sua vez, diante da possibilidade da CPMF parar de vigorar, preocupavam-se em perder o repasse dos recursos a ela vinculados para os seus respectivos Estados. Os chefes dos Executivos estaduais tinham interesse na manutenção dessa cobrança. Até mesmo governadores filiados a partidos de oposição, em especial, José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais, ambos do PSDB - e candidatos em potencial para a próxima eleição presidencial -, pressionavam os senadores por seus Estados a apoiar a prorrogação da contribuição, alertando-os sobre os custos políticos a serem pagos com o fim da receita em disputa. Teoricamente, 27 senadores da oposição poderiam ser influenciados pelos governadores de seus respectivos Estados. A pressão poderia ser forte em seis casos em que ambos são do mesmo partido (MG, AL, DF e PB), ou fraca em 21 casos, quando o governador é da situação e o senador é da oposição (TO, SE, SC, PI, RN, PE, PR, PA, AP, AM, BH, CE, GO, MA e MS).

Esse cenário poderia assinalar para a prorrogação da CPMF. Senadores aliados apoiariam cabalmente a orientação do líder do governo, que ainda contaria com alguns votos da oposição. O cenário mais pessimista para o governo, baseado na absoluta disciplina partidária de situação e oposição, apontaria para uma vitória por um placar de 52 votos favoráveis e 28 contrários. O cenário mais otimista, montado com a previsão de influência dos governadores sobre parlamentares por seus Estados, sugeriria a conquista de pelo menos seis senadores da oposição que, somados aos aliados, garantiriam um triunfo ao governo por ampla margem: 58 a 22.

-------------------------------------------------------------------------------- Até governadores filiados a partidos de oposição pressionavam senadores por seus Estados a apoiar a prorrogação da CPMF --------------------------------------------------------------------------------

No entanto, o placar eletrônico da votação da CPMF mostrou outra realidade. Na base governista, seis senadores votaram contra o encaminhamento de voto do seu líder e um se ausentou por divergência, totalizando sete atos de indisciplina partidária: PMDB (três), PR (dois) e PTB (dois). Por outro lado, destaca-se a unidade absoluta dos 27 senadores dos dois principais partidos de oposição, DEM (14) e PSDB (13), que votaram coesos contra. Nem sequer um senador oposicionista foi convencido pelo governador do seu Estado a votar com o governo.

A votação da CPMF no Senado fornece uma lição de política brasileira. Presidente da República não aprova a agenda que quer, como e quando bem entender. A influência dos governadores sobre as bancadas de parlamentares de seus Estados pode ser ineficaz em determinadas conjunturas. Interesses político-eleitorais da oposição, como a sucessão presidencial de 2010, podem unir suas bancadas partidárias nas votações do Congresso Nacional.

Nesse caso, o Legislativo funcionou como fórum de debates e tomou decisão contrária aos interesses dos executivos nacional e estaduais. Ao sugerir a alternativa de debater o financiamento da política de saúde no âmbito da reforma tributária, com a qual o governo concorda, o Congresso Nacional poderá retomar o seu papel constitucional de propor leis.