Título: Petrobras pode usar regras próprias em contratos, decide TJ
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/12/2007, Legislação, p. E1

Pela primeira vez a validade do uso de regras próprias para as contratações feitas pela Petrobras passou pelo crivo de um colegiado da segunda instância judicial. A Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) proferiu um acórdão pelo qual considerou legal a aquisição, pela empresa de economia mista, de bens e serviços de qualquer valor pela modalidade de licitação denominada carta-convite. Pela Lei de Licitações, seguida pelos governos para as compras públicas, a modalidade é reservada a compras de bens de até R$ 80 mil ou à contratação de obras de até R$ 150 mil.

As licitações da Petrobras são alvo de discussões judiciais desde a promulgação da Lei do Petróleo - a Lei nº 9.498, de 1997 - e do Decreto nº 2.745, de 1998, que a regulamentou. As normas flexibilizaram as compras e contratações públicas exclusivamente ligadas ao petróleo - e, conseqüentemente, as feitas pela Petrobras -, que antes seguiam a Lei de Licitações. Mas as empresas que disputam essas contratações reclamam não poderem participar das licitações, já que muitos procedimentos não são realizados pela modalidade de concorrência - e sim por cartas-convite direcionadas a no mínimo três participantes escolhidos pelo licitante.

Em 2002, o Tribunal de Contas da União (TCU) entendeu que as contratações da empresa devem seguir as regras da Lei de Licitações - a Lei nº 8.666, de 1993 - e não as regras simplificadas previstas na Lei do Petróleo. O TCU considerou que tanto a Lei do Petróleo quanto o decreto que a regulamenta são inconstitucionais, pois a Constituição Federal prevê que as licitações devem ser regidas por lei federal. A Advocacia-Geral da União (AGU) também se manifestou sobre o assunto quando foi acionada em 2003 para resolver uma questão semelhante entre o Ministério de Minas e Energia e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). A PGFN questionou se o Decreto nº 2.745 também se aplicava às subsidiárias da Petrobras. O parecer da AGU, publicado em 2004, reconheceu que todas as empresas ligadas à Petrobras poderiam licitar conforme o decreto.

O caso julgado agora pelo TJRJ teve origem em uma ação proposta em 2001 pela Marítima Petróleo e Engenharia, que atua na área de apoio na exploração de petróleo marítimo. A 15ª Vara Cível do Rio de Janeiro suspendeu, em liminar, todas as licitações da empresa feitas com base na Lei do Petróleo e no Decreto nº 2.745, que garantiam à empresa maior flexibilidade em suas contratações. A Petrobras, no entanto, conseguiu derrubar a decisão na segunda instância, obrigando a Marítima a apelar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que novamente suspendeu as licitações. O caso chegou então à Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) em uma nova liminar, desta vez ajuizada pela Petrobras. Por decisão do ministro Gilmar Mendes, o Supremo cassou a liminar do STJ, permitindo novamente as licitações simplificadas até que o mérito do caso fosse julgado. A justificativa para a cassação da liminar no Supremo foi a de que os procedimentos previstos na Lei de Licitações retirariam da Petrobras sua competitividade em relação às concorrentes privadas, pelo fato de a legislação conter regras mais complexas. Agora, diante da decisão do TJRJ, o caso deverá ser o primeiro a ter seu mérito também apreciado no Supremo.

Para o advogado da Petrobras, Sergio Tostes, do escritório Tostes e Advogados Associados, a decisão do TJRJ é o "leading case" que deverá inaugurar a jurisprudência a respeito do tema. Ele diz que o tribunal seguiu o mesmo entendimento do Supremo ao conceder a liminar à Petrobras em março - o de que a empresa deveria ter um tratamento diferenciado pelo fato de concorrer no mercado mundial com outras gigantes do setor privado. "As licitações estão seguindo a Lei nº 8.666, só que utilizando as regras de uma modalidade mais ágil, que é a carta-convite", diz. O advogado André Tostes, também do Tostes e Advogados Associados afirma que se as contratações feitas pela empresa ocorressem pela modalidade de concorrência prevista na Lei de Licitações, que exige a publicação de edital, os contratos poderiam se tornar obsoletos, já que um processo licitatório deste porte pode demorar até dois anos - ao passo que as contratações da Petrobras envolvem tecnologias em constante evolução. "Pelo processo de carta-convite, a formalização da contratação ocorre em menos de um ano", diz.

O advogado Álvaro Palma de Jorge, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, explica que as decisões do Supremo, ainda que em liminar, e do TJRJ reconhecem que a finalidade prevalece sobre a formalidade nas licitações da Petrobras. Para ele, a Constituição prevê, no artigo 173, um estatuto diferenciado para as contratações de empresas públicas que explorem atividade econômica - e a Lei do Petróleo teria esta função.

Já para o advogado da Marítima Petróleo e Engenharia, Marcelo Fontes, do escritório de advocacia Sergio Bermudes, o TJ do Rio decidiu influenciado pela liminar concedida pelo Supremo, que analisou a questão superficialmente, para não paralisar a Petrobras enquanto o mérito do caso não é julgado. Ele afirma que um decreto é frágil demais para regulamentar licitações, pois pode ser revogado a qualquer momento pelo Executivo. "É necessária uma lei federal sobre o assunto", diz. Além disso, segundo ele, a Constituição exige um estatuto geral diferenciado para empresas públicas que explorem atividade econômica, e não uma lei específica para uma atividade, como é o caso da Lei do Petróleo. A Marítima já recorreu da decisão do TJRJ. Para o advogado Benedicto Porto Neto, especialista em licitações e sócio do escritório Porto Advogados, embora a Petrobras tenha cobertura legal para simplificar suas contratações, nem todas as licitações precisariam ser feitas em regime simplificado. "Há contratações que podem ser feitas conforme a Lei de Licitações", diz.