Título: Projeto que cria estatuto já tramita na Câmara
Autor: Carvalho , Luiza
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Maria Berenice Dias: projeto reconhece novas concepções de família As regras sobre direito de família do Brasil podem ser completamente alteradas se for aprovada na Câmara do Deputados uma proposta que cria o "Estatuto das Famílias". Dentre as medidas sugeridas está o reconhecimento da união homoafetiva, que estende aos casais homossexuais direitos à herança do companheiro e à adoção de filhos, a partir das regras já existentes para a união estável. O Projeto de Lei nº 2.285, de 2007, foi elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) e iniciou recentemente sua tramitação. Se aprovado, o estatuto reduzirá o tamanho do Código Civil, pois os 272 artigos relacionados à família - de um total de 2.046 - deixarão de existir.

O projeto do Estatuto das Família reúne as normas sobre direito de família - hoje dispersas no Código Civil, no Código de Processo Civil e em leis especiais - e prevê uma mudança estrutural: enquanto no Código Civil o direito de família está separado em direitos pessoal e patrimonial, o estatuto pretende reunir os dois temas em 121 artigos. Em uma segunda parte, a proposta disciplina, em outros 150 artigos, procedimentos como a habilitação para o casamento e princípios de celeridade a serem adotados nas ações familiares. "O direito de família no Código Civil estava todo misturado, dificultando a compreensão", diz a desembargadora Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFam. Para o advogado e jurista Sílvio de Salvo Venosa, do Silvio Venosa Advogados, a tendência do Código Civil é a de ser esfacelado em estatutos, como o de empresas e o de direito registral e imobiliário. "O código foi resolvido com muita pressa e é restrito", diz.

Além de reunir as questões relacionadas à família em uma única legislação, a proposta de criação do estatuto é a de abranger as novas formações familiares existentes hoje, incluindo a palavra "socioafetividade" como forma de parentesco. "Trata-se do reconhecimento das novas concepções de família", diz Maria Berenice. Há no projeto enviado à Câmara um capítulo dedicado ao direito das famílias parentais, constituídas pelas comunhões afetivas estáveis entre parentes. A inclusão familiar mais polêmica da proposta é a união homoafetiva, mas há outras inovações - com as relativas à guarda dos filhos. O projeto pretende assegurar o direito à convivência com qualquer pessoa com quem a criança ou o adolescente mantenha um vínculo de afetividade e também prevê que, no caso de não haver acordo entre os pais, o juiz deve decidir preferencialmente pela guarda compartilhada, ouvir sempre que possível uma equipe multidisciplinar e utilizar a mediação familiar.

Muitos dispositivos do Código Civil foram suprimidos no projeto do Estatuto das Famílias - como as causas suspensivas do casamento e a definição de culpa de um dos cônjuges na separação judicial. "Definir a culpa agrava a desagregação familiar", diz Sílvio Venosa. Os artigos que tratam do "bem de família" no Código Civil também foram retirados no projeto de estatuto. Segundo Maria Berenice, este direito já é assegurado pela Lei nº 8009, de 1990. "O bem de família é usado, muitas vezes, como uma forma de burlar os credores", diz. Instituído pelo Código Civil, o regime de bens de participação final dos aquestos - um regime híbrido em que cada cônjuge possui patrimônio próprio e tem direito a metade dos bens adquiridos pelo casal em caso de separação - também ficou de fora da proposta. "O regime é de pouca utilização no país e gera complicações de cálculo", diz a advogada Sáloa Maria Neme da Silva, do escritório Sáloa, Karime e José Naja Neme da Silva Advogados Associados.

No projeto inicial do estatuto anunciado pelo IBDFam em agosto, o divórcio passava a ser permitido após um ano de separação de corpos. Mas, segundo Maria Berenice, para facilitar a aprovação do documento foi mantida a atual regra do Código Civil pela qual o divórcio pode ser requerido quando comprovada a separação de fato por mais de dois anos. O IBDfam prepara agora um anteprojeto para a criação do Estatuto das Sucessões.