Título: Política marca cúpula do Mercosul
Autor: Rocha , Janes
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2007, Brasil, p. A4

Cristina Kirchner, Lula e Chávez: apoio aos governos do Equador e da Bolívia, que passaram por turbulências políticas Os presidentes do Mercosul deram um tom essencialmente político à 34ª reunião de Cúpula, realizada segunda e terça-feira na capital do Uruguai. Das críticas explícitas aos Estados Unidos por parte dos presidentes da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, e da Venezuela, Hugo Chávez, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destoou. Lula frisou aos seus pares que os problemas do Mercosul são causados internamente e não fora da região. Também participaram do encontro os presidentes dos países associados ao Mercosul: Michelle Bachelet, do Chile, e Evo Morales, da Bolívia.

Nos três comunicados conjuntos divulgados no fim do encontro, contudo, os presidentes deixaram claro que estavam sintonizados. Reiteraram a posição expressada pelos chanceleres e ministros de economia um dia antes, de insistência com a entrada da Venezuela no Mercosul, e reforçaram o apoio aos governos do Equador e da Bolívia, que passaram recentemente por turbulências políticas para implantarem mudanças em suas constituições.

No caso da Venezuela, foi divulgado um comunicado em separado, mandando um recado aos políticos brasileiros e paraguaios, que demoram a aprovar a entrada do país no bloco: que consideram "fundamental para o fortalecimento do Mercosul". Em outro documento, os chefes de estado atestaram a lisura do referendo realizado há duas semanas na Venezuela, em que os eleitores disseram "não" às reformas constitucionais propostas pelo presidente Hugo Chávez. E reiteraram que o referendo "fortaleceu o processo democrático venezuelano".

Muito menos falante do que de costume, Chávez voltou a bater nos Estados Unidos em seu discurso. Mais uma vez acusou o governo Bush de liderar "uma campanha" contra a Venezuela. Sempre aberto a falar com a imprensa e mandar seus recados pouco diplomáticos, o presidente venezuelano mandou a segurança afastar os repórteres e fez um discurso até moderado (para seu padrão).

Cristina Kirchner se alinhou a Chávez nas críticas aos EUA. Foi o primeiro encontro entre os dois depois que, na semana passada, o FBI anunciou que tinha provas de que uma mala com US$ 800 mil, apreendida entrando ilegalmente na Argentina em agosto, pelas mãos de um empresário venezuelano, era dinheiro de origem duvidosa para financiar a campanha política de Cristina. "Há operações sujas e políticas sujas na região. Vamos sofrer interferências dos que parecem que só querem países empregados e subordinados", afirmou a presidente argentina.

Lula fez outra abordagem. Concordou que existem "inimigos internos e externos que não querem" o Mercosul. No entanto, identificou-os em maior número dentro das próprias burocracias dos respectivos países. "As coisas que não estão andando não é culpa do vizinho. Não é culpa da Alemanha, dos EUA, do Japão. A culpa é nossa de não tomarmos as decisões que nós precisamos tomar." E conclamou seus pares a se esforçarem mais para superar as dificuldades do bloco. "É como se nós acordássemos todo dia olhando para o nosso filho (o Mercosul) dizendo: que filho feio! Tem o nariz muito grande, ou tem o pé grande, ou tem a orelha grande. Vamos achar um pouco de beleza nesse filho! Afinal de contas fomos nós que colocamos ele no mundo!"

Apesar da aparente disposição de Lula, pouco se avançou nas questões que emperram o Mercosul. Foi estendido para o fim do primeiro semestre de 2008 o prazo para conclusão dos trabalhos para eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) no comércio intrabloco.

O único avanço concreto foi no campo externo. O Tratado de Livre Comércio Mercosul-Israel foi finalmente assinado ontem, após muitos anos de negociação, um acordo com pequenas perspectivas econômicas, pois Israel absorve, atualmente, apenas 0,3% das exportações do Mercosul. E com a presença do comissário da União Européia para Assuntos Econômicos e Monetários, Joaquim Almunia, ficou marcada para maio de 2008 no Peru, uma reunião de altos funcionários para a retomada das negociações de um acordo de livre comércio entre os blocos.