Título: Câmara planeja mudanças para conter obstruções
Autor: Jayme , Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2007, Política, p. A14

As obstruções de governo e oposição e as medidas provisórias atrapalharam os objetivos da Câmara dos Deputados em 2007. O presidente Arlindo Chinaglia pretendia finalizar a votação da reforma política e não conseguiu. Ficou para 2008 também a aprovação do segundo turno da proposta de emenda à Constituição que acaba com o voto secreto no Congresso. Ficaram para o futuro o projeto que proíbe o nepotismo, o que cria a Defensoria Pública e o que altera o número de vereadores no país.

Desde 2002, quando as MPs começaram a trancar a pauta da Câmara e do Senado, nunca o plenário esteve tanto tempo parado como nas 17 semanas de 2007 em que foi vítima de obstrução. Em 2002, foram seis semanas. No ano seguinte, não houve obstrução sistemática. Já 2004 registrou onze semanas de paralisação, uma a mais do que em 2005. No ano passado, houve um mês de obstrução. Em compensação, a Casa teve a pauta trancada por MPs por quatro meses seguidos.

Em ano marcado por disputas intensas entre governo e oposição - sobretudo na prorrogação da CPMF e na CPI do Apagão Aéreo -, o plenário da Casa sofreu com o excesso de medidas provisórias e as manobras regimentais que impediram votações importantes. Das 39 semanas de efetivo trabalho dos deputados durante o ano, 17 foram esvaziadas por obstruções: pouco mais de quatro meses de inércia legislativa.

Desse período sem trabalho dos deputados em plenário, 12 são de responsabilidade da oposição. DEM e PPS obstruíram os trabalhos por sete semanas entre março e abril para forçar a instalação da CPI do Apagão Aéreo. No segundo semestre, os dois partidos e mais o PSDB se uniram para paralisar o plenário por cinco semanas. O objetivo era adiar ao máximo a aprovação da CPMF.

Mas o destaque da obstrução parlamentar do ano foi da base aliada. Na sexta-feira, a Câmara vai completar cinco semanas seguidas sem aprovar nenhum projeto em plenário em função da manobra regimental governista. Para não prejudicar a votação da CPMF no Senado, os partidos alinhados com o Planalto brecaram a votação de seis medidas provisórias editadas pelo próprio governo. MPs são ferramentas legislativas a serem usadas pelo presidente da República quando houver urgência para se deliberar sobre algum tema.

O ano paralisado no plenário leva algumas lideranças da Câmara a pensar em fazer alterações na Constituição e no Regimento Interno da Casa em 2008. A Carta seria alterada na questão das medidas provisórias. O rito truncado e difícil das MPs, que têm preferência sobre todas as demais matérias legislativas, faz com que o Congresso fique refém do Planalto.

"Uma casa legislativa precisa ter uma pauta. Com metas para deliberar sobre grandes temas. Com as MPs, não há qualquer pauta. Delibera-se o que o Planalto quer", reclama o líder do PPS, deputado Fernando Coruja (SC). Em conversas com líderes e assessores, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), não esconde a irritação com as MPs. Já acionou a consultoria da Casa a pensar formas de alterar a Constituição com vistas a tornar a tramitação das medidas menos prejudicial ao Congresso.

O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) propõe a adoção de um limite de MPs a serem editadas pelo Planalto por ano. "Evitaríamos o abuso", diz o parlamentar. Coruja discorda. Ele pensa que em algumas crises, como as monetárias, várias medidas urgentes precisariam ser tomadas. Para o líder do PPS, a saída seria delimitar os temas específicos sobre os quais as MPs poderiam deliberar.

O líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), aceita debater as mudanças nas MPs. Mas salientou que as alterações deveriam valer depois do fim do governo Lula. "Por acordo, pode ser que possamos modificar algo para a próxima legislatura. Para o futuro, haveria clima para discutir isso", diz.

Se alterar o rito das MPs parece unir base e oposição, outra mudança pretendida por alguns parlamentares governistas deverá causar mais polêmica. Flávio Dino acredita que é preciso alterar o regimento da Câmara para evitar as obstruções sistemáticas. "A obstrução, como é feita no Brasil, não tem regras. Aqui, há obstrução ilimitada", disse o parlamentar. "Se é verdade que a maioria não pode esmagar a minoria, as minorias também não podem impedir a Casa de trabalhar completamente", completa.

Coruja discorda. "A obstrução política - seja da oposição, seja do governo - é legítima e faz parte do parlamento", diz o líder. O deputado Arnaldo Faria de Sá (SP), vice-líder do PTB, especialista em regimento, também tem opinião distinta. "A oposição usa a obstrução para tentar forçar acordos e conseguir negociações. Obstrução da base aliada é falta de vergonha", acusa. Como no caso das MPs, Dino pensa que as alterações sobre o regimento poderiam ter validade a partir de 2011.