Título: Volta às aulas
Autor: Zaparolli , Domingos
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2007, Especial, p. F1

No início de 2005, Saulo Vieira Parada completava quatro anos no comando de uma acanhada clínica odontológica no bairro do Tucuruvi, em São Paulo. Ele e sua equipe, formada por três dentistas e uma atendente, geravam um faturamento de R$ 9 mil mensais, mas a receita era declinante. Formado em odontologia pela Universidade Paulista (Unip) em 2000, Parada mesclava meses em que não ganhava nada pelo seu trabalho com outros em que tinha prejuízo.

Hoje, a Sua Odontologia, a clínica de Parada, está instalada em uma vistosa sobreloja próxima à estação de metrô do bairro, conta com quatro salas de atendimento bem equipadas, onde oito dentistas especializados e quatro funcionários de apoio geram um faturamento mensal de R$ 40 mil. O mais importante: agora, a margem de lucro da clínica chega a 20% de seu faturamento.

O "divisor de águas" da história de Parada foi um curso de empreendedorismo realizado em 2004 na Fundação Getúlio Vargas. O curso, informa o odontologista, o ajudou a detectar um nicho de mercado apropriado e a estabelecer um plano para conquistar seu público. A estratégia foi manter a tradição de preços baixos da clínica, que há quase 30 anos atende clientes de baixa renda, mas oferecer uma estrutura e um atendimento compatíveis com as melhores clínicas paulistanas. "É a única na região com esse perfil", relata Parada.

Para aperfeiçoar a sua capacitação gerencial, Parada fez ainda, em 2005, um curso de gestão e marketing especializado em odontologia pela Altera. "As faculdades oferecem uma boa formação técnica aos profissionais liberais, mas não nos preparam para o mercado. É preciso desenvolver conhecimentos de administração para ter um negócio bem-sucedido", afirma.

Ao contrário de Parada, o cirurgião vascular Marcelo Romiti já comandava uma empresa bem-sucedida - a Angio Corpore, constituída por quatro clínicas cardiovasculares em Santos (SP), com 23 funcionários e 15 médicos que realizam 2,5 mil atendimentos por mês - quando ingressou em um curso de empreendedorismo no Ibmec São Paulo, no início deste ano. "A empresa estava crescendo e percebi que minha falta de experiência administrativa era um entrave para maximizar meu retorno", diz o empresário.

Romiti relata que o curso o sensibilizou para a necessidade de valorizar sua equipe e profissionalizar a administração. E o ensinou a importância de planejar as ações antes de realizá-las, de conhecer o resultado operacional de cada unidade e analisar o papel estratégico delas para o grupo. "Antes, eu administrava de forma empírica, agora, quando dou um passo, sei onde estou pisando", diz o cirurgião.

Saulo Parada e Marcelo Romiti conseguiram perceber a deficiência de suas formações como empreendedores e decidiram então buscar auxílio especializado para virar suas trajetórias empresariais. Nem sempre, porém, há um final feliz para as histórias de pequenos empresários que sofrem com a formação inadequada em gestão.

Um levantamento realizado pelo Sebrae sobre as causas para a mortalidade de micro e pequenas empresas, que tomou o depoimento de empreendedores que fecharam seus negócios, identificou seis principais problemas. Desses, três estão diretamente relacionados à baixa capacitação dos gestores: falta de planejamento prévio, falta de comportamento empreendedor e uma gestão empresarial deficiente.

A boa notícia é que, atentas a essa necessidade dos pequenos empresários, várias instituições de ensino estão oferecendo cursos para capacitação gerencial e, cada vez mais, empreendedores estão buscando esse reforço acadêmico. "O ideal é que o empresário realize uma capacitação gerencial antes mesmo de abrir seu negócio, para reduzir seus riscos. Quando isso não ocorre, ele aprende na prática, na base de tentativa e erro. Assim, o custo é alto e pode ser fatal para a sobrevivência do negócio", diz Tales Andreassi, coordenador do Curso de Empreendedorismo da Fundação Getúlio Vargas.

O principal foco de um curso de empreendedorismo é auxiliar os alunos a desenvolver um plano de negócios, ou seja, detectar oportunidades, fazer uma avaliação de viabilidade econômica e traçar uma estratégia de ação.

De acordo com o professor Geraldo Aparecido Borin, coordenador do curso de empreendedorismo da PUC-SP, o desenvolvimento de um plano de negócios, ao contrário do que se pode imaginar, não é uma tarefa apenas para quem irá iniciar uma empresa. "A economia é muito dinâmica. Uma estratégia estabelecida não necessariamente continua válida após um determinado prazo, precisa ser revista, e um novo plano de negócio desenvolvido", ensina o professor da PUC-SP.

Os cursos de empreendedorismo são de curta duração, variam de 40 a 80 horas/aula dependendo da instituição, e são voltados para quem tem nível superior. Mas novos formatos de ensino já começam a chegar ao mercado. A tendência, informa Marcos Hashimoto, coordenador do Centro de Empreendedorismo do Ibmec São Paulo, é da oferta de cursos mais flexíveis quanto a formação do aluno, a carga horária e também mais pragmáticos, que, além da teoria, cheguem ao dia-a-dia do pequeno empresário, ensinando técnicas práticas de vendas, gestão de pessoas, marketing, administração financeira e tributária.

Outra tendência, informa Hashimoto, é a escola atuar como facilitadora da formação de redes de relacionamentos entre os pequenos empresários. "Uma das principais dificuldades do empreendedor é seu isolamento, a falta de pessoas com quem trocar idéias e experiências", diz o professor. Desta percepção, relata Hashimoto, o Ibmec criou um novo formato de ensino, o Encontro de Empreendedores. Em um único dia, os empresários assistem a uma palestra e depois, em grupos formados por afinidades, debatem e trocam experiências, com a ajuda de um moderador.

O modelo agradou Gilberto Luiz Monteiro, que participou do encontro promovido pelo Ibmec em sete de dezembro, quando o tema foi planejamento em pequenas empresas. Monteiro, que é cirurgião, também é sócio de seu pai na empresa ABR Importadores de Rolamentos, com escritórios em Santos e São Paulo. Há mais de um ano, Monteiro chegou à conclusão que precisava reestruturar sua empresa, adotando uma estratégia comercial mais agressiva; que à venda do produto, agregasse uma consultoria ao cliente.

O empresário, porém, ainda não desenvolveu uma estratégia de como implementar as mudanças. O encontro promovido pelo Ibmec, relata Monteiro, serviu para lhe dar uma visão dos desafios que ele deve enfrentar pela frente. "Ouvi depoimentos de quem passou por experiências parecidas e sobre a importância de conhecer as opiniões dos funcionários e mesclar estas informações com as vindas de uma consultoria externa", diz.

Oferecer cursos práticos, abertos a empreendedores com os mais variados graus de formação escolar, é a estratégia de atuação do Sebrae. Emerson Vieira, gerente da unidade de educação do Sebrae SP, informa que a instituição oferece mais de 70 cursos, presenciais e virtuais, em níveis diferentes de profundidade, divididos em três focos distintos. O primeiro é o desenvolvimento das competências do empresário, com cursos sobre planejamento, liderança e motivação da equipe, por exemplo.

Outro foco é o desenvolvimento de habilidades para a gestão do negócio, com cursos sobre marketing, administração de estoques, finanças, RH e vendas. O terceiro foco da área de educação do Sebrae é a capacitação do empresário para interferir no ambiente de negócios em que está inserido, com cursos sobre associativismo, corporativismo, administração de conflitos e planejamento participativo.

Fábio Paulo Ferreira, sócio da empresa desenvolvedora de software Unisource, aberta em 1988, afirma que já perdeu a conta da quantidade de cursos que fez no Sebrae. Entre as principais habilidades que desenvolveu, ele relaciona noções de contabilidade, técnicas de negociação, vendas, e marketing. "Eu e meu sócio temos formação técnica, de engenheiro, não tínhamos uma visão apurada de mercado, da importância de ter um logotipo, uma página amigável na Internet ou de oferecer um brinde aos clientes", diz Ferreira. "Hoje estou mais preparado para detectar as oportunidades do mercado e abordar novos clientes."

Por ano, o Sebrae-SP registra a presença de aproximadamente 120 mil alunos em seus cursos presenciais. Em 2007, a instituição desenvolveu uma nova estratégia para difundir a cultura do empreendedorismo. Por meio de convênios com 10 universidades, repassou sua metodologia de ensino para 192 professores que serão incumbidos de ministrar empreendedorismo para alunos de diferentes cursos regulares.

Para o ano que vem, a meta é estender a parceria para um total de 100 universidades. Se o Sebrae for bem-sucedido nesta empreitada, a percepção de Saulo Parada, segundo a qual as faculdades oferecem uma boa formação técnica, mas não preparam os profissionais para o mercado, pode estar com os dias contados.