Título: Kelman vê riscos para 2008 e pede postura mais defensiva
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2007, Brasil, p. A5

Ruy Baron/Valor Jerson Kelman: "Não há lógica em termos um sistema de proteção e, quando ele precisa ser acionado, nós desistimos dele" O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman, alertou sobre o risco de déficit no abastecimento em 2008 e insistiu na necessidade de acionar as usinas térmicas a partir de janeiro, para aumentar o nível dos reservatórios de hidrelétricas. Segundo ele, a possibilidade de haver algum déficit no suprimento de energia no próximo ano - "não importa de quanto, nem que seja de apenas um megawatt" - chega a 28% na região Nordeste, 15% no Norte, 13% no Sul e 10% no Centro-Oeste/Sudeste. O recomendável, pelos padrões de segurança, é um risco de até 5%.

Contrariando recomendações da equipe técnica e de seus quatro colegas de diretoria, Kelman votou contra a proposta feita pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que estabeleceu em 36% o volume mínimo de armazenamento dos reservatórios do Centro-Oeste e do Sudeste para não ligar as térmicas. A primeira proposta do ONS era um nível de 61%. Hoje, com o atraso no início do período de chuvas, o nível das represas está pouco abaixo de 46%.

Em reunião pública de diretoria, na terça-feira, Kelman protestou contra a mudança de critérios. "Eu não me sinto absolutamente à vontade de trocar (os critérios) apenas para ligar menos térmicas", afirmou o diretor-geral da Aneel. "Essa energia que não vai ser gerada em janeiro e em fevereiro, se nós tivermos uma hidrologia crítica, não se recupera mais. Ou se gera agora ou não se gera mais. É claro que a probabilidade de ser necessária é baixa, estaríamos nos protegendo contra um evento pouco provável. Mas não vejo lógica em termos um sistema de proteção e, quando ele precisa ser acionado, nós desistimos dele e mudamos o critério."

A mudança a que se referia Kelman diz respeito ao uso da média dos quatro piores biênios em volume de chuvas - 1933/34, 1953/54, 1954/55 e 1955/56. Na segunda proposta do ONS, enfim aprovada pela Aneel, foi adotado como referência apenas o biênio 1933/34. Naquele biênio, choveu pouco durante o primeiro ano, exceto em janeiro, quando as precipitações foram de 114% da média histórica. Ou seja: a situação para o mês que vem tornou-se menos problemática, seguindo esse critério, dispensando o uso das térmicas e afastando o risco de nova crise do gás.

"Não concordo que se mude o critério, que é arbitrário", afirmou Kelman, referindo-se à adoção da primeira proposta feita pelo ONS, mais conservadora, "por outro igualmente arbitrário". Para o diretor-geral da agência, a motivação da troca de números, aprovada por seus colegas na Aneel, é evitar um erro "real e possível": ter uma preocupação excessiva com a segurança do abastecimento, ligar todas as térmicas, encarecer o preço da energia e, pouco depois, chove bastante e enchem-se os reservatórios.

Kelman admitiu o risco de que essa postura fique "parecendo burrice" se no final sobrar água. "Mas eu tenho outro tipo de preocupação", advertiu o diretor. Para ele, o erro maior é deixar de ligar as térmicas e haver uma situação de seca, "que nenhum de nós deseja, mas pode acontecer".

Se tivessem que ser acionadas, as térmicas poderiam gerar até 4.157 megawatts (MW) para complementar a base hidrelétrica no Sudeste e no Centro-Oeste. O problema é que boa parte dessas usinas usa o gás natural como combustível, e há escassez do produto para atender todos os consumidores (além das termelétricas, indústrias, residências e veículos). No fim de outubro, a necessidade de ligar as térmicas a gás paralisou indústrias e taxistas no Rio.

Kelman ressaltou, na sessão de terça-feira, que suas advertências e o risco de déficit em 2008 não devem ser entendidos "com pavor". Mas insistiu na defesa de uso para das térmicas para atacar imediatamente eventuais desequilíbrios. Em julho de 2001, no relatório que assinou em meio ao racionamento de energia, ainda como diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), ele diagnosticou: "Em dezembro de 2000, o ONS apontava a possibilidade de uma situação de suprimento mais favorável em 2001 do que em 2000. Dois meses depois, em função da hidrologia desfavorável no período, novo relatório indicou uma mudança radical de perspectivas".