Título: Lula descarta pacote para manter clima de otimismo de fim de ano
Autor: Jayme , Thiago Vitale ; Lyra , Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2007, Política, p. A10

Lula durante confraternização com funcionários do Palácio do Planalto O governo decidiu ontem que não haverá pacote de fim de ano para suprir a perda de R$ 40 bilhões em receitas fiscais com a rejeição da CPMF. Após reunião de mais de uma hora da equipe econômica com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ficou decidido que o governo vai apostar nos cortes de gastos no Orçamento, na contenção de reajustes salariais e de contratação de novos servidores públicos e na limitação das emendas parlamentares.

Lula já havia avisado na véspera, durante jantar com deputados e senadores da base de apoio, que não haveria pacote de final de ano. Para não melindrar os aliados, omitiu, estrategicamente, a intenção de passar a tesoura no Orçamento, especialmente nas emendas individuais e de bancada. O total das emendas parlamentares já adicionadas na proposta de Orçamento para 2008 é de cerca de R$ 16 bilhões.

Desde que a CPMF foi rejeitada pelo Senado, na semana passada, várias hipóteses vêm sendo levantadas pela área econômica, da redução da meta de superávit primário - que foi prontamente rejeitada pelo presidente - ao aumento das alíquotas do PIS, da Cofins, da Contribuição Social sobre o Lucro Liquido (CSLL), sobretudo dos bancos, e do IOF.

Na composição das alternativas alinhavadas pela equipe econômica e levadas ontem ao presidente para compor um ajuste de R$ 40 bilhões, R$ 12 bilhões seriam apurados com aumento das alíquotas de vários tributos, cerca de R$ 18 bilhões viriam de cortes nos gastos públicos e algo em torno de R$ 10 bilhões representariam reestimativa de arrecadação de impostos e contribuições em 2008. Houve moderação na reestimativa de arrecadação para o ano que vem, por causa dos receios que uma desaceleração forte da economia americana pode ter na performance do crescimento econômico do país em 2008.

"Não haverá pacote para aumento de alíquota. O governo vai discutir gastos e vai empreender um esforço na simplificação e na reforma tributária", prometeu o líder do governo no Senado, Romero Jucá (RR). Ele disse que, como o Orçamento só será votado em fevereiro, os ministros do Planejamento, Paulo Bernardo e da Fazenda, Guido Mantega, vão se concentrar em janeiro nos estudos para definir onde haverá os cortes - Jucá assegurou também que os recursos para a Saúde serão mantidos, até porque o Orçamento tem que obedecer à garantia constitucional que atrela as verbas da saúde à variação do PIB nominal do ano anterior.

Durante jantar de confraternização com o Conselho Político, na noite de terça feira no Palácio da Alvorada, Lula demonstrou estar atento à evolução da crise na economia americana, gerada originalmente pela expansão do crédito imobiliário de segunda linha (subprime) e que pode resultar, agora, numa forte desaceleração do nível de atividade nos EUA e no resto do mundo. O presidente indicou estar mais preocupado com essa possibilidade e os eventuais efeitos que um esfriamento da economia mundial pode trazer para a economia brasileira, do que nos possíveis impactos negativos no país da rejeição da CPMF.

-------------------------------------------------------------------------------- "Melhor Natal do que o desse ano, só no ano em que Jesus nasceu", disse Lula segundo relato de aliados --------------------------------------------------------------------------------

Para o presidente, o país tem como "absorver" a ausência dos R$ 40 bilhões provenientes do imposto do cheque. Segundo Jucá, com a manutenção do crescimento da economia, a aprovação de uma reforma tributária verdadeira e a escolha criteriosa de cortes de gastos - música para os ouvidos da oposição - o Brasil tem condições de manter e, até mesmo, ampliar, a arrecadação no ano que vem.

A persistente crise na economia americana é muito mais grave, segundo Lula. "Quem ditava as regras de conduta para o Brasil hoje está em dificuldades econômicas. Quem diria que fortes aglomerações, como o Citibank, entrariam em crise", comentou o presidente da República, segundo relato dos parlamentares presentes. Lula teria dito que está satisfeito com o fato de que a turbulência americana "nem arranhou o país". Mas acredita que ainda não se sabe exatamente o tamanho da crise e disse haver a necessidade de o país manter-se atento ao problema. "A crise não afetou o Brasil, porque o país está sólido e com reservas de US$ 180 bilhões", comentou.

O presidente comemorou outros bons resultados da economia brasileira, sobretudo o crescimento de 5,7% do PIB no terceiro trimestre - em comparação com o mesmo trimestre de 2006 - e a inclusão, na classe C, de 20 milhões de pessoas que antes estavam nas classes D e E.

Na visão do presidente, com esses resultados positivos, é melhor que o governo não provoque sobressaltos nesse final de ano - daí a decisão de não lançar um pacote tributário nem anunciar os cortes nos gastos. "Não podemos dar espaço às inseguranças, para que a desconfiança no cenário internacional não contamine o bom momento vivido pelo país". Segundo Lula, os brasileiros têm razão de sobra para estar felizes nesse final de ano. "Melhor Natal do que o desse ano, só no ano em que Jesus nasceu", disse o presidente.

Sobre a derrota política que sofreu na votação da CPMF, Lula evitou fazer críticas ao Senado. "Ele falou que se deu, deu, se não deu, não deu", disse o líder do PSB na Câmara, Márcio França (SP). O presidente mencionou também, durante o jantar, a necessidade de o seu governo fazer "um esforço de reconstrução" da base aliada no Senado no ano de 2008. Agradeceu o apoio dos aliados e compartilhou os erros cometidos ao longo desse ano. "Ele falou que, da mesma forma que os êxitos não foram só do presidente ou dos aliados, os fracassos também precisam ser vistos dessa maneira", afirmou o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN).

O presidente estava bem-humorado. Lula chegou a citar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em conversa com alguns deputados, o anfitrião disse que o ex-presidente teria trabalhado mais para ele do que por José Serra (PSDB) nas eleições de 2002. FHC teria a feito a previsão de que o governo do PT seria ruim e sua volta estaria garantida para 2006. "Ele errou", brincou Lula. Ele vestia um paletó boliviano presenteado por Evo Morales durante o último encontro de ambos, em La Paz. E disse que "estava muito mais charmoso só para jantar com os aliados. E que Marisa ficaria com ciúmes dele", relataram parlamentares.