Título: A relação entre o Estado e o setor de petróleo
Autor: Lemos , Felipe ; Feres ,
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Em 8 de novembro passado, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) anunciou, na sede da Petrobras, a descoberta de uma nova e significativa província petrolífera no Brasil, com grandes volumes recuperáveis estimados de óleo leve e gás, denominada de "pré-sal", e determinou a conseqüente retirada dos respectivos blocos nas bacias de Santos e Campos da Nona Rodada de Licitações da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

O objeto do anúncio do CNPE já era de conhecimento do mercado e vinha sendo alvo de um valioso marketing feito pela ANP em suas apresentações preparatórias para a rodada. Aliás, em um seminário promovido em Londres, em 26 de setembro, o diretor da ANP, Newton Monteiro, com a intenção de promover o imenso potencial petrolífero de nosso país e aumentar o interesse das petroleiras estrangeiras, fez uma apresentação das áreas pré-sal da Bacia de Santos, especificamente, chamando-as de "o novo Eldorado".

Como conseqüência do controverso anúncio de retirada dos blocos, até as vésperas da rodada, muito se especulou sobre qual seria sua repercussão para o mercado. Surpreendentemente, e seguindo a tendência das rodadas anteriores, mais uma vez houve recorde na arrecadação de bônus de assinaturas pela ANP, com valor acima de R$ 2 bilhões; bem superior aos das últimas rodadas, embora somente uma empresa, a novata OGX, tenha sido responsável por algo em torno de 75% desse valor.

No entanto, o aparente sucesso da nona rodada esconde certas conseqüências negativas que derivaram da decisão tomada pelo governo federal. A primeira é que claramente não houve a participação das grandes petroleiras do setor - com exceção da Petrobras e de poucas empresas que tinham interesses específicos. Além disso, os valores arrecadados ficaram muito aquém das expectativas, de R$ 8 bilhões a 10 bilhões, conforme admitido pelo próprio governo.

-------------------------------------------------------------------------------- Com um ajuste legal mais simples, o atual modelo de concessão seria mantido, garantindo segurança jurídica --------------------------------------------------------------------------------

Assim, devido aos recentes e importantes acontecimentos, a discussão que agora deve ser posta entre a sociedade, a indústria e o governo é sobre as alterações ao marco legal que rege a indústria e que seriam necessárias para garantir a soberania e o interesse público sobre esta valiosa descoberta e, ao mesmo tempo, não afugentar as companhias privadas, que são tão importantes para o desenvolvimento do setor.

Uma das mudanças discutidas seria a implementação de uma nova forma de relacionamento entre o Estado e as petroleiras, por meio da adoção de contratos de produção compartilhada para estes blocos de maior potencial. Este contrato, mais conhecido no mercado internacional como "production sharing agreement" e adotado em alguns países exportadores como Rússia e Indonésia, tem como característica principal a propriedade do Estado sobre a totalidade do petróleo extraído - ao contrário do regime de concessão aqui adotado -, ficando o parceiro com o direito a parte dos hidrocarbonetos produzidos e ao controle das operações, respeitados os termos e condições do contrato. Portanto, é um contrato firmado entre o Estado, geralmente representado pela empresa estatal, e o parceiro privado.

Desta forma, para se estabelecer esta nova modalidade de contratação, seria necessária uma alteração profunda na Lei nº 9.478, de 1997, mais conhecida como Lei do Petróleo, que demanda tempo e grande esforço político. Além disso, um complicado debate recairia sobre o ente que representaria o Estado nesta contratação. Nos países que adotam a produção compartilhada, cabe à empresa petrolífera estatal o papel, que pode ou não ser a condutora das atividades. Caso a intenção seja indicar a Petrobras como parte contratante, existem dúvidas quanto à constitucionalidade deste ato, visto que é uma empresa de capital aberto, com parcela significativa de ações negociada na Bolsa de Nova York, sendo que qualquer tratamento privilegiado à empresa e, conseqüentemente, aos seus acionistas privados, em detrimento dos outros agentes econômicos, poderia ser caracterizado como desrespeito aos princípios constitucionais da igualdade e isonomia.

Portanto, devido às dificuldades jurídicas e políticas para implementação deste tipo de contrato, uma alternativa factível para aumentar a participação do Estado na receita do petróleo seria a edição de um decreto para modificar a forma de cálculo e o aumento das alíquotas da participação especial, que é um tipo de participação governamental incidente na receita auferida pelo concessionário em blocos de grande produção. Em suma, através deste ajuste legal mais simples, o atual modelo de concessão, que tem funcionado muito bem nestes dez anos, seria mantido, garantindo segurança jurídica aos investidores, e o interesse público seria resguardado ao se aumentar a receita do Estado na produção e venda desta importante commodity.

Luiz Antonio Maia Espínola de Lemos e Felipe R. Caldas Feres são, respectivamente, sócio responsável e advogado da área de gás e petróleo do escritório TozziniFreire Advogados

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