Título: Fundo Soberano: debate legítimo, argumentos nem tanto
Autor: Filho , Arthur Carvalho
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2007, EU & Investimentos, p. D2

Nas últimas semanas o Ministério da Fazenda tem verbalizado planos para a criação de um fundo soberano de reservas. Este fundo seria uma alternativa para que reservas internacionais fossem remuneradas de forma mais rentável que os atuais treasuries bonds (títulos do Tesouro americano) que o Banco Central do Brasil (BC) detém. Esta é uma discussão internacional que deve dominar grande parte dos cenários cambiais nos próximos anos. O timing do ministério em trazer a discussão a público pode ser oportuno do ponto de vista interno, mas, no atual cenário de aversão a risco, só traz mais volatilidade e incerteza.

Os fundos soberanos de reservas (FSR) existem por duas razões. A primeira é a tentativa de estabilização de movimentos de apreciação cambial, oriundos de exportações crescentes de poucos produtos da pauta, que possam causar uma doença holandesa. Ou seja, uma tentativa de estabilizar o balanço de pagamentos intertemporalmente. A outra razão, talvez mais nobre, seja poupar para as próximas gerações recursos que são extraídos de um país, como é o caso do Fundo Norueguês, que detém US$ 322 bilhões provenientes das exportações de petróleo.

Além da diferença de objetivo, varia também a forma de financiamento dos fundos. No primeiro caso, o país é exportador de uma matéria prima e troca-a por recursos financeiros que serão poupados em moeda estrangeira, como é o caso do fundo Adu Dhabi - que acaba de comprar uma fatia do Citibank. Nesta categoria, muitas vezes, não se internam os recursos para evitar a necessidade de esterilização (emissão de dívida para evitar excesso de moeda local em circulação). Já no segundo grupo, deve-se comprar o excesso de dólares que entra na economia. Contudo, para não gerar pressão inflacionária via expansão da base monetária, devem-se esterilizar suas intervenções por meio da emissão de dívida. Ou seja, o limite para a expansão do fundo é diferente para as duas categorias.

No caso brasileiro ainda não há muita certeza sobre como será a estrutura desse fundo. No entanto, já podemos classificá-lo nos grupos acima. O fundo não será proveniente da exportação de recursos naturais, os quais o governo detém. Será, portanto, financiado pela emissão de dívida pública que garantirá retorno próximo da Selic - uma vez que o governo brasileiro não gera superávits nominais. Mas se haverá emissão da dívida, o governo não estará fazendo uma poupança intertemporal e, assim, ele se enquadra na categoria de fundo estabilizador de balanço de pagamentos.

Agora que entendemos como o FSR brasileiro se comprara aos outros, acreditamos que devemos focar a discussão no tipo de ativos que o fundo irá possuir, uma vez que a operacionalização dele será feita pela mesa de operações do Tesouro que tem uma longa história de boas relações com o mercado.

Se levarmos em consideração o caso brasileiro, em que haverá uma emissão da dívida, a qualidade dos ativos e sua remuneração são essenciais em vista do alto custo para o país da criação desse fundo. Tal discussão parece ainda estar num estágio inicial, em vista da falta de informações disponíveis. As declarações de oficiais do ministério têm dado, contudo, sinais não tão positivos aos agentes sobre o caminho que será seguido. O único tipo de ativo mencionado até agora são investimentos no "setor produtivo", por meio da compra de debêntures e "commercial papers" emitidos fora do país.

O exemplo mais citado são títulos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), os quais gerariam recursos para financiar empresas produtivas no país. No entanto, os recursos serão usados pelo BNDES internamente, o que quer dizer que terão de ser internados gerando pressão de apreciação sobre o real. Se o objetivo do fundo é um ajuste no balanço de pagamentos não entendemos como essa operação irá atingir tal objetivo. O resultado final seria uma emissão de dívida pública para financiar empresários privados, com juros subsidiado.

O momento para a discussão, como mencionamos, não é o mais apropriado, em face da redução de apetite por risco que se observou nas últimas semanas. Além disso, a sinalização atual é de que os ativos serão escolhidos de forma a fazer uma política industrial e direcional, que, de alguma forma, irá gerar desconforto com o aumento da dívida para esses propósitos. Não acreditamos que esses sejam os únicos ativos que comporão o fundo, mas precisamos receber sinalizações em breve do governo. Caso os temores do mercado se confirmem, teremos uma sinalização clara da deterioração da qualidade da política econômica, que em momentos de crise, podem ser a desculpa necessária para um desmonte.

Arthur Carvalho Filho, economista-chefe da Ativa Corretora

E-mail acarvalho@ativactv.com.br

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