Título: Sem acordo, Doha aguarda desfecho de campanha presidencial nos EUA
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 28/12/2007, Brasil, p. A2

Na véspera do Natal, o mediador da negociação agrícola na Rodada Doha, o neozelandês Falconer Crawford, enviou aos 150 países quatro textos traçando o que acredita serem novos pontos de convergência para reduzir os subsídios domésticos. Na prática, ao apontar aproximações em várias questões, o que Crawford faz é pavimentar o terreno para os Estados Unidos limitarem suas subvenções a algo entre US$ 13 bilhões e US$ 14,5 bilhões por ano.

Atualmente, Washington tem direito de dar até US$ 48 bilhões de subsídios por ano, como resultado da Rodada Uruguai, e até agora só aceitou baixar esse montante a US$ 17 bilhões em um futuro acordo global.

Além de ter divulgado documentos em pleno período de festas, o mediador marcou nova rodada de negociações a partir do dia 3 de janeiro. Mas essa movimentação é acompanhada com ceticismo. Um dos mais importantes negociadores sequer teve curiosidade de ler os novos textos. "Mandei para meu ministro, isso não tem pressa mesmo", argumentou.

Ou seja, no nível técnico, a negociação até avança aos tropeções, mas ninguém ignora que a conclusão da Rodada Doha depende do calendário eleitoral nos Estados Unidos. E por aí tudo indica que um acordo global dificilmente ocorrerá antes de 2010.

A maior nação comerciante do planeta está em plena campanha presidencial, o Congresso votou uma lei agrícola que não reduz subsídios e a principal representante comercial americana, Susan Schwab, adota um tom que faz entender que ela sabe que a Casa Branca não quer, ou não pode, fechar um acordo em 2008, durante o mandato de Bush.

Também entre certos exportadores agrícolas há menos pressa por barganhas. Alfredo Chiaradia, o secretário de Comércio Internacional da Argentina, considera que seu país já ganhou com a conjuntura atual, de insuficiente oferta mundial de produtos agrícolas. Como resultado, os preços explodem e forçam dezenas de países a cortarem suas tarifas de importação.

A União Européia, um dos maiores importadores de trigo, soja e milho do mundo, reduziu a zero as tarifas de importação de cereais até junho do ano que vem. China, Rússia, Índia, México, Marrocos, Azerbaijão, Bósnia, Egito, Filipinas, Taiwan, Bangladesh, Nigéria, Gana e Peru fizeram o mesmo. De outro lado, países produtores aumentam as tarifas de exportação para assegurar o suprimento doméstico. Foi o que fizeram Argentina, Rússia e Cazaquistão.

É certo que os atuais cortes de tarifas têm pouco impacto na negociação global, porque esta trata da consolidação de alíquotas (o montante máximo que um país pode aplicar). Mas a conjuntura leva mais países exportadores agrícolas a resistirem a pagar com concessões na área industrial.

As diferenças entre os países se espalham em todos os temas da negociação, passando por metodologia para calcular antidumping a proteção para indicações geográficas. Tampouco se pode ignorar as fricções persistentes entre três atores principais da rodada, o ministro brasileiro Celso Amorim, Susan Schwab e o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson.

Além disso, há preocupação dentro da OMC sobre os riscos de Venezuela, Bolívia e alguns países africanos rejeitarem o consenso em um futuro acordo. Antes o temor era só com os venezuelanos e bolivianos sob a influência de Hugo Chávez. Agora, vários países africanos, com políticas comerciais desenhadas por organizações não-governamentais (ONGs), mandaram um aviso, ao recusarem um acordo de preferências comerciais com a União Européia.

Uma rodada, contudo, não morre. Haverá muitas reuniões e novos prazos para se chegar a entendimentos. Em Genebra, fala-se agora de julho como nova data dita "crucial" para se esboçar um acordo global. Mas entre importantes negociadores, as atenções estão cada vez mais voltadas para o que Hillary Clinton, se eleita, mudará na política comercia americana e qual o impacto disso na agenda global de negociações.