Título: Expansão do crédito e eficiência do setor bancário brasileiro
Autor: Paula , Luiz F. ; Faria , João A.
Fonte: Valor Econômico, 28/12/2007, Opinião, p. A12

O desempenho recente do setor bancário brasileiro tem sido marcado por uma mudança importante no mercado bancário: os bancos até recentemente compunham seu balanço com uma participação importante de títulos públicos indexados, que proporcionava a eles, ao mesmo tempo, liquidez e rentabilidade, resultando em contrapartida um baixo volume de crédito ofertado (22% do PIB em maio de 2003). A partir de 2004, observa-se um gradual crescimento do crédito bancário, favorecido pelo contexto de maior estabilidade e maior crescimento econômico e pela mudança na composição da dívida pública brasileira (diminui a importância de títulos indexados a Selic), atingindo o total de crédito 33% em agosto de 2007.

Essas mudanças foram realizadas em um contexto de acelerada consolidação bancária no país, que resultou no quase desaparecimento de bancos privados varejistas de médio porte e na constituição de gigantes do varejo (como Bradesco e Itaú), acompanhada de uma forte diversificação nos negócios bancários (e concomitante aumento nas receitas de serviços dos bancos) e de um crescimento no mercado de capitais, o que tem estimulado o desenvolvimento do segmento de bancos de investimento. Adiciona-se que o próprio boom recente do crédito tem permitido o desenvolvimento do segmento de bancos de nichos (especializados em poucas modalidades de crédito, como consignado), de pequeno a médio porte.

Poder-se-ia esperar uma queda nos lucros dos bancos devido a mudança acima referida, por conta da queda nas taxas de juros. Contudo, tal não tem sido observado, em função do aumento no volume de crédito bancário acompanhado de spreads levemente declinantes, mas ainda bastante elevados. A expansão recente do crédito tem sido puxada principalmente pelas operações de crédito com recursos livres e pelas modalidades para pessoa física, destacando-se as operações de crédito pessoal (inclusive consignado) e de aquisição de veículos - ou seja, operações normalmente ancoradas em alguma garantia (folha de pagamento ou o próprio veículo).

Neste contexto de mudanças no setor bancário, procuramos avaliar a eficiência do setor bancário brasileiro no período 2000/2006, utilizando, para tanto, a técnica Análise Envoltória de Dados (em inglês "Data Envelopment Analysis", DEA), que permite analisar a eficiência de unidades econômicas (firmas ou bancos) com múltiplos insumos e produtos através da construção de uma fronteira de eficiência, que conecta os conjuntos de observação das melhores práticas. Adotamos então dois modelos. Um "modelo de intermediação", que tem como insumos número de funcionários, depósitos totais e permanente e imobilizado de arrendamento; e como produtos, operações de crédito e títulos/valores imobiliários; e um "modelo de resultados", que tem como insumos despesas de intermediação financeira, e despesas de pessoal e outras despesas administrativas; e como produtos: receitas de intermediação financeira e receitas de prestação de serviços.

-------------------------------------------------------------------------------- Mudanças realizadas num contexto de consolidação bancária levaram bancos privados varejistas a um quase desaparecimento --------------------------------------------------------------------------------

Ademais, dividimos o setor bancário em cinco segmentos: grandes bancos varejistas (mais de 900 agências e clientela e produtos diversificados, incluindo Banco do Brasil, CEF, Bradesco, Itaú, ABN Amro, Unibanco, Santander e HSBC), bancos varejistas para alta renda (60 a 120 agências e voltados para clientes de média/alta renda), bancos varejistas regionais (quase todo constituído de bancos estaduais e federais regionais), bancos atacadistas (pequeno número de agências e voltados para o "corporate banking" e gestão de recursos) e bancos especializados em crédito (definido acima).

Os resultados da eficiência nos dois modelos são apresentados nos gráficos. No modelo de intermediação (gráfico I), que mede a eficiência do banco em sua função de intermediador de recursos, observa-se a maior eficiência nos segmentos dos grandes bancos varejistas e dos bancos atacadistas (esperado neste segmento em função de sua estrutura operacional mais enxuta), ficando bem abaixo os segmentos dos bancos especializados no crédito e bancos varejistas regionais. No modelo de resultados (gráfico II), que mede a capacidade de geração de receitas do banco, excluindo o ano de 2002, que é atípico (em função do impacto da forte elevação dos juros sobre a dívida pública), os diferentes segmentos - com exceção do segmento dos bancos varejistas regionais - tiveram um comportamento mais ou menos semelhante, com destaque para os grandes bancos varejistas e dos varejistas voltados para alta renda. Note-se que a melhoria recente na eficiência de resultados coincide com o recente boom do crédito no país.

A partir dos resultados apresentados, pode-se extrair algumas conclusões. De modo geral, não houve uma deterioração na eficiência dos bancos a partir da mudança recente na estratégia de expansão do setor bancário. Ademais, o segmento dos grandes bancos varejistas teve uma melhor eficiência técnica, enquanto que o segmento dos bancos varejistas regionais teve o pior desempenho relativo, o que parece evidenciar que o tamanho é uma variável importante do ponto de vista da eficiência dos bancos de varejo, em função do maior potencial de geração de receitas decorrentes da ampliação no volume de serviços ofertados e no potencial de vendas cruzadas do banco. Evidentemente, esses resultados têm de ser analisados com cuidado, pois algumas dimensões importantes da eficiência bancária - como a capacidade de um banco ofertar um volume maior de crédito a menores custos possíveis - não foram aqui avaliadas e devem ser aprofundadas em futuros estudos.

Luiz Fernando de Paula é professor da Faculdade de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE/UERJ).

João Adelino de Faria é pesquisador da FCE/UERJ. Este artigo é um resumo de um paper ("Reestruturação Bancária e Eficiência dos Bancos no Brasil") premiado pelo Prêmio IPEA-Caixa 2007.