Título: Montadoras européias resistem às novas leis de emissões
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/12/2007, Empresas, p. B8

Se Bali não conseguiu produzir muito mais que nomeações e concessões, pelo menos a Comissão Européia mostrou na semana passada que está falando sério quando o assunto é cortar as emissões de carbono. As emissões de gás carbono relacionadas ao transporte cresceram um terço na União Européia entre 1990 e 2005, e hoje elas representam 27% do total emitido pela UE. Desses, a Comissão calcula que automóveis e vans respondem por cerca de metade.

Em 19 de dezembro (data do fechamento da última edição da "The Economist"), a Comissão preparava-se para publicar suas propostas finais para tornais os automóveis da Europa mais limpos. Levará pelo menos um ano até que elas se transformem em lei, e ainda há espaço para mudanças em alguns detalhes - o Parlamento Europeu e o Conselho de Ministros vão querer se manifestar -, mas há poucas dúvidas agora de que em apenas alguns anos os automóveis europeus estarão cumprindo os padrões mais rígidos do mundo no que diz respeito às emissões de dióxido de carbono.

Hoje, os automóveis da Europa emitem em média 160 gramas de dióxido de carbono por quilômetro (g/km). Houve alguma redução desde que as montadoras foram ameaçadas pela lei da última vez, uma década atrás, mas o progresso vem sendo dolorosamente lento - cerca de 1,5% ao ano, em vez dos 3% necessários para atender a meta voluntária de 140 g/km até 2008, que o setor automobilístico acertou poucos anos atrás. Deste modo, a Comissão Européia está insistindo que até 2012 as emissões médias da frota de automóveis novos vendidos na UE não deverá exceder os 130 g/km, com outros 10 g/km sendo eliminados de outras fontes, como pneus de baixa fricção, aparelhos de ar-condicionado mais eficientes e um uso maior dos biocombustíveis.

As propostas dividiram ao meio a indústria automobilística da Europa. Os franceses e os italianos, representados pela PSA Peugeot Citroën, Renault e Fiat, vêm se mostrando otimistas até agora. Em 2006, suas frotas, bastante inclinadas aos veículos pequenos e mais econômicos, emitiam em média 142 a 147 g/km de dióxido de carbono. Não será fácil para eles cumprir as novas regras sem um aumento dos preços de seus carros baratos e de baixas margens, mas eles estão bastante confiantes de que conseguirão chegar lá.

Para os alemães, a história é diferente. A Volkswagen produz muitos automóveis pequenos, incluindo o BlueMotion Polo, com emissões de 99 g/km - menos ainda que os 104 g/km do híbrido Prius da Toyota. Na verdade as emissões médias de sua frota aumentaram ligeiramente, por causa do sucesso recente de sua marca Audi. Mas são as duas marcas de luxo contra as quais a Audi compete diretamente, Mercedes-Benz e BMW, que estão se sentindo mais ameaçadas pelos planos da Comissão. A Mercedes fabrica o compacto A-class, sua controladora Daimler produz o pequeno Smart, e a BMW tem o Mini, mas suas marcas são sinônimos de carros grandes e potentes, que prometem luxo e alto desempenho. A Mercedes se destacou no ranking das emissões de dióxido de carbono em 2006 com uma emissão média de 188 g/km, enquanto a BMW ficou nos 184 g/km.

A BMW pelo menos vem se esforçando para melhorar suas credenciais ambientais. Além de reduzir o peso dos carros, ela está agora está estendendo a toda sua linha um artifício de economia de combustível chamado "Dinâmica Eficiente". Ele junta as mais novas tecnologias de fabricação de motores com unidades auxiliares de economia de energia, como alternadores e bombas de refrigeração, partida e desligamento automático (para desligar o motor em congestionamentos) e frenagem regenerativa. Como um sinal do que se pode conseguir, o motor a diesel de 2 litros de seus novos modelos serie 3 produz uma potência de freio de 177 bhp, com emissões de apenas 128 g/km. Em 2006, a BMW foi uma das montadoras européias que mais melhoraram os modelos, e a Dinâmica Eficiente poderá levá-la ao topo do ranking em 2008.

-------------------------------------------------------------------------------- Não será fácil cumprir para a indústria as novas regras sem elevar os preços dos automóveis baratos --------------------------------------------------------------------------------

Por outro lado, a Mercedes ainda parece se recusar a aceitar a realidade. Ela vem promovendo intensamente sua tecnologia BlueTec, mas ela foi projetada principalmente para lidar com as regulamentações dos Estados Unidos (onde as vendas de veículos movidos a diesel são limitadas), e não para atender as regras sobre emissões de dióxido de carbono da União Européia. Junto com a BMW, General Motors e Chrysler, ela desenvolveu um novo sistema híbrido chamado Two-Mode. Mas trata-se de uma opção cara que deverá ter aceitação lenta na linha de veículos utilitários esportivos (SUVs) da companhia e nos maiores salões do automóvel.

Enquanto isso, BMW e Mercedes continuam fabricando carros maiores que aqueles que elas tiram de linha, com motores cada vez mais poderosos. A BMW está prestes a lançar o X6, um concorrente do Cayenne SUV da Porsche, que estará disponível com um motor twin-turbo V8 de 408 bhp. Por sua vez, a Mercedes parece ter interesse em oferecer versões de alto desempenho de cada um dos modelos que fabrica, tendo chegado ao ponto de adaptar um motor de 6,3 litros para seu modelo classe C.

As duas montadoras insistem que enquanto os consumidores quiserem essas carros, elas vão fabricá-los, principalmente porque eles são altamente lucrativos e populares em mercados de exportação como os EUA, Rússia e China. Elas também afirmam, corretamente, que eliminar totalmente seus modelos mais luxuosos do mercado europeu teria um impacto muito pequeno sobre as emissões de carbono, uma vez que eles representam uma parcela muito pequena da frota total. Elas afirmam que os fabricantes de carros pequenos, que vendem muitas unidades mais, precisam se esforçar mais para reduzir as emissões - talvez diminuindo as emissões médias de suas frotas abaixo do limite de 130 g/km proposto pela UE.

Um lobby intensivo da BMW e Mercedes, como apoio do comissário da Indústria da EU, Günter Verheugen (que coincidentemente é alemão), e da primeira ministra alemã Angela Merkel, vem surtindo algum efeito. Para o ódio dos ativistas ambientais, a Comissão concordou com uma "despensa de peso", que permitirá aos fabricantes de carros mais pesados, (ou seja, os alemães) a produzirem frotas com emissões médias mais altas.

No entanto, a Comissão está determinada a não deixar os fabricantes de automóveis de luxo escaparem incólumes, de modo que muita coisa vai depender da inclinação do gráfico peso/dióxido de carbono. Os veículos mais poluidores podem não ser numerosos, mas se eles não forem duramente penalizados as regras para as emissões vão perder toda a credibilidade. A Comissão gostaria de impor multas de ? 95 por automóvel por grama de emissões que excederem os 130 g/km. Sem nenhuma concessão ao peso, a frota existente de Mercedes seria penalizada em cerca de ? 5,5 mil por veículo. Na prática, o número final será menor. Mas a Comissão está inflexível: embora não queira destruir os negócios das montadoras alemãs, estas precisam sofrer uma pressão financeira real para que desenvolvam e implementem tecnologias radicais de economia de combustível.

Embora esteja claro que novas tecnologias serão necessárias (motores menores, transmissões automáticas mais eficientes, vários tipos de híbridos e um uso maior de biocombustíveis), os alemães vão lutar. Como um carro novo demora de cinco a sete anos para ser desenvolvido, novas tecnologias não podem ser incorporadas imediatamente, afirmam eles. Um outro problema, segundo a consultoria automotiva Ricardo, é que não há recursos de engenharia suficientes. Do jeito que as coisas estão, os alemães não têm esperanças de evitar multas substanciais, a menos que recebam mais tempo para se enquadrar e estejam preparados para mudar suas linhas de modelos. Nenhuma dessas coisas parece provável.