Título: Chuvas fracas mantêm reservatórios baixos
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2008, Brasil, p. A3

O fenômeno climático "La Niña" baixou a intensidade das chuvas no último trimestre do ano passado e esvaziou os reservatórios das hidrelétricas, que começaram o mês de janeiro no nível mais baixo para o período, desde 2004, à exceção das represas situadas na região Sul. Além da estiagem prolongada, que se estendeu por outubro e novembro, o regime hidrológico voltou a decepcionar em dezembro - choveu só 73% da média histórica no Centro-Oeste/Sudeste, 49% no Norte e 45% no Nordeste.

Para o primeiro trimestre de 2008, segundo previsões do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), as precipitações devem ficar novamente abaixo da média em boa parte de Minas e na Bahia. Previsões de outros institutos são mais otimistas e projetam um volume melhor de chuvas.

A situação ainda não é dramática, mas para analistas do setor elétrico se o regime de chuvas não se normalizar, os reservatórios podem diminuir a níveis perigosamente baixos durante o próximo período seco e exigir um uso mais intenso das usinas térmicas, a partir de abril. E aí surgem mais uma vez os temores de que não haja gás natural para todos - termelétricas, indústrias, residências e frota de veículos. "Estamos na ante-sala da crise", diz Adriano Pires, consultor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura e professor da UFRJ.

Em 1º de janeiro, o nível dos reservatórios estava em 46% da capacidade máxima no Centro-Oeste/Sudeste, 30,3% no Norte e 26,8% no Nordeste. Tratam-se de índices, respectivamente, 8, 6 e 36 pontos percentuais mais baixos do que aqueles verificados no primeiro dia do ano passado. Em uma comparação mais longa, somente em 2004 as represas começaram o ano mais vazias. Tranqüila, mesmo, apenas a situação das represas no Sul, que estão com 73% da capacidade máxima.

O meteorologista Mamedes Luiz Melo, do Inmet, explica que a origem das chuvas fracas nos últimos meses está no fenômeno "La Niña", que provoca um resfriamento acima do normal na faixa equatorial do Oceano Pacífico e gera repercussões sobre a América do Sul. "Há outras variáveis, mas essa é a mais importante", diz o especialista. O "La Niña" segue o "El Niño", que causa o efeito oposto, de aquecimento das águas do Pacífico e chuvas mais fortes sobre boa parte do território sul-americano, com ocorrências maiores de inundações e de outros desastres naturais. Não é sempre que o "El Niño" vem com força suficiente para provocar grandes estragos, mas ele costuma aparecer a cada dois ou três anos, em intensidades mais moderadas, esclarece.

Com exceção da Bahia, a maior parte do Nordeste deverá ter chuvas acima da média histórica, segundo o Inmet. O mesmo deve ocorrer na região Norte, o que beneficiará a hidrelétrica de Tucuruí, a mais importante do país, depois de Itaipu. Resta saber se as precipitações serão suficientes para compensar a perda de volume de água nos últimos meses.

Em dezembro, gerou controvérsia a discussão sobre a "curva de aversão ao risco" válida para o biênio 2008-2009. Esse mecanismo define o nível mínimo de armazenamento de água necessário para a operação do sistema elétrico com plena segurança e sem sobressaltos. Inicialmente, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) havia proposto a exigência de um nível mínimo de 61% para a operação dos reservatórios no Centro-Oeste/Sudeste em janeiro. O índice estava longe de ser atingido, o que obrigaria o sistema a ligar todas as usinas termelétricas enquanto se recuperaria o nível das represas, e o ONS mudou a proposta para armazenamento mínimo de 36%.

Os planos do ONS foram aprovados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e evitaram o acionamento imediato das térmicas, o que suscitava preocupação com o fornecimento de gás natural. No fim de outubro, última vez em que as usinas a gás tiveram que ser ligadas ao mesmo tempo, houve desabastecimento a indústrias e à frota de táxis no Rio.

O diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, foi voto contrário na decisão da agência e condenou a segunda proposta do ONS, que se sustentava na mudança dos critérios usados para prever o regime de chuvas. Sempre de forma conservadora, o operador do sistema trocou a média dos quatro piores biênios da história, em termos de afluência hidrológica, pelo biênio 1933/1934. No conjunto, dava na mesma. Mas a mudança reduziu as exigências relativas a janeiro, comprando a tranqüilidade atual com maior risco futuro.

Kelman protestou. "Essa energia que não vai ser gerada em janeiro e em fevereiro, se nós tivermos uma hidrologia crítica, não se recupera mais. Ou se gera agora ou não se gera mais", disse, na ocasião, o diretor. "A probabilidade de ser necessária é baixa, estaríamos nos protegendo contra um evento pouco provável. Mas não vejo lógica em termos um sistema de proteção e, quando ele precisa ser acionado, desistimos dele e mudamos o critério", acrescentou.

O professor Adriano Pires avalia que a decisão tomada pelas autoridades do setor elétrico foi puramente política. Ele defende a postura de Kelman e vê interferência da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, na decisão de postergar os riscos. "Como o custo político do corte de gás em outubro foi muito forte, o governo resolveu arcar com o risco da água", diz Pires. "Dilma prometeu ao presidente que não haveria apagão no governo Lula e sabe que qualquer crise nessa área significa seu suicídio político".

No fim de abril, acaba a folga dada ao ONS com a proposta que significou tranqüilidade na operação para janeiro. Nessa época, as "curvas de aversão ao risco" (da primeira e da segunda proposta) se encontram e os reservatórios do Centro-Oeste deverão estar com 68% da capacidade máxima. Se isso não ocorrer, todas as térmicas precisarão ser ligadas. "Há o risco de racionamento do gás em abril", conclui Pires. "Parece incrível, mas o país não consegue crescer a taxas de 5% ao ano sem chuvas fortes."