Título: Desaceleração e dólar cortam saldo com os EUA em 35%
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2008, Brasil, p. A4

O Brasil amargou queda de 35% no saldo comercial com os Estados Unidos no ano passado, percentual mais significativo que a baixa de 13,8% do saldo do país com o mundo. O superávit das empresas brasileiras com a maior economia do planeta recuou US$ 3,5 bilhões, passando de US$ 9,9 bilhões em 2006 para US$ 6,4 bilhões em 2007, conforme a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento. Assim, a perda no comércio com os EUA representou mais de 50% da queda total do saldo brasileiro, em dólar.

Três fatores influenciaram o resultado: a valorização do real em relação ao dólar, que reduz a competitividade dos manufaturados brasileiros; o desaquecimento da economia americana, que enfraquece o apetite dos EUA por importados; e o aumento da demanda brasileira, que favorece as importações. Em 2007, o real se valorizou 20,7% em relação ao dólar, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) subiu cerca de 5%. Além destas razões, o limite da capacidade instalada no setor químico, que exigiu do país mais importações para completar a oferta doméstica, afetou este resultado.

As exportações brasileiras para os EUA cresceram apenas 1,8%, enquanto o Brasil aumentou em 27% as compras de produtos americanos em 2007, para US$ 18,9 bilhões. Foram US$ 4 bilhões a mais em compras no mercado americano. Apesar do avanço da China, os EUA seguem como maior fornecedor brasileiro. As compras de produtos chineses cresceram 57% em 2007, para US$ 12,6 bilhões, superando a Argentina. Do principal sócio no Mercosul vieram US$ 10,4 bilhões, alta de 29% em relação a 2006.

Os Estados Unidos vinham perdendo espaço no mercado global, principalmente para os fornecedores asiáticos. José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), diz que a recente valorização do dólar aumentou a competitividade dos americanos no exterior. Em 2007, o dólar se desvalorizou 10,4% em relação ao euro - percentual expressivo para a moeda mais forte do mundo.

"A queda do dólar vai frear o processo de outsorcing", explica Maurício Moreira Mesquista, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Ele acredita que o câmbio não reverterá o movimento de transferência das empresas americanas para a Ásia, mas reduzirá a velocidade deste fenômeno. "Certamente está ocorrendo uma especialização global, mas a indústria dos Estados Unidos não desapareceu", avalia.

As importações brasileiras de produtos dos Estados Unidos estão concentradas nos setores químico, farmacêutico, petroquímico, aviação, bens de capital e software. Grandes multinacionais e companhias brasileiras integram a lista das empresas que mais importam dos EUA: Embraer, Caterpilar, General Eletric, Petrobras, Vale, TAM, entre outras.

"São indústrias intensivas em conhecimento, tecnologia e que demandam mão-de-obra qualificada", diz Mesquita. Graças a essas características, os EUA se mantêm como importante fornecedor de insumos. Os baixos salários, origem da competitividade da Ásia, não fazem tanta diferença, ao contrário do que ocorre em têxtil ou eletrônicos.

Dados da Secex, elaborados pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), demonstram que as importações brasileiras de elementos químicos e farmacêuticos vindos dos EUA subiram 36% e 21,5%, respectivamente, de janeiro a setembro de 2007 em relação a igual período do ano ano anterior. Em refino de petróleo e petroquímicos e máquinas e tratores, as altas ficaram em 49% e 24% na mesma comparação.

No setor farmacêutico, outro fator determinante para a competitividade dos EUA é a pirataria praticada na Ásia. As multinacionais desse setor - que gastam somas importantes na busca de novos medicamentos - sentem-se mais confortáveis em solo americano, onde as leis de propriedade intelectual são rígidas. Nos setores químico e petroquímico, é vantajoso para as empresas a proximidade do centro produtor de matéria-prima. Os EUA são os maiores importadores de petróleo do mundo e também são donos de reservas significativas no Texas. Em bens de capital, principalmente em máquinas por encomenda - que são mais sofisticadas - a produção da China ainda não avançou.

No setor químico, uma característica do parque produtivo brasileiro ajuda a explicar o forte aumento de importação dos Estados Unidos. Com o avanço da economia do Brasil, a demanda por produtos químicos aumentou, mas a produção não acompanhou. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), a demanda cresceu cerca de 10% em 2007, enquanto a produção avançou 1%. A entidade estima que 95% do aumento do consumo interno foi atendido via importações.

"O setor está operando no limite da capacidade. Temos alguns investimentos em andamento e outros ainda em fase de projeto, mas a maturação vai demorar", diz Nelson Pereira dos Reis, vice-presidente executivo da Abiquim. Ele afirma que o setor enfrenta um problema crítico de rentabilidade em função do custo da matéria-prima.

O preço da nafta subiu acompanhando as cotações internacionais do petróleo. Os fornecedores de produtos químicos e petroquímicos, no entanto, enfrentam dificuldades para repassar os reajustes em função, principalmente, da concorrência com os chineses.

O Brasil importa grandes quantidades de resinas termoplásticas dos EUA, como o polietileno. De janeiro a novembro, a importação desse produto vinda dos EUA cresceu 57%. Multinacionais desse setor possuem fábricas no Brasil e nos EUA. "Se a planta brasileira não consegue atender a demanda, a opção é trazer dos EUA", diz Reis.