Título: Inflação pode inibir corte dos juros nos EUA
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Fonte: Valor Econômico, 04/01/2008, Finanças, p. C8

Ben Bernanke, presidente do Fed, está em situação mais difícil do que o seu antecessor, Alan Greenspan Atividade industrial em queda, desemprego em alta e aperto no crédito deixaram investidores na expectativa de agressivos cortes de juros por parte do Federal Reserve, o banco central americano. Mas esta semana, a alta do petróleo e do ouro, que bateram novos recordes, ressalta por que o Fed pode não ter a liberdade de afrouxar a política monetária tanto quanto em 2001, quando a economia entrou em recessão, ou tanto quanto muitos em Wall Street querem.

O Fed e os mercados concordam numa coisa: o cenário econômico é preocupante. As minutas da reunião de dezembro do Fed, divulgadas quarta-feira, mostram que as autoridades monetárias dos EUA compartilham da preocupação de Wall Street de que a economia americana pode entrar em recessão. As minutas suscitaram a perspectiva de cortes adicionais "substanciais" das taxas de juros se uma espiral auto-alimentada de aperto de crédito e crescimento fraco acontecer.

A discordância se dá em relação à inflação. O Fed acha que ela é um risco maior do que em 2001 e maior do que Wall Street e muitos economistas importantes acreditam. Isso força o Fed a aceitar correr um risco maior de recessão do que em 2001. O que pode significar um corte dos juros menor do que o esperado pelo mercado futuro, que prevê a meta da taxa de curto prazo do Fed caindo dos atuais 4,25% para 3% até o fim do ano, ou uma rápida reversão dos cortes de juros.

A situação atual apresenta um visível contraste com o último ciclo de corte dos juros do Fed. Em maio de 2001, as previsões do setor privado eram de cerca de 25% de chance de uma recessão. Mas àquela altura o Fed, sob o comando do então presidente Alan Greenspan, já tinha cortado a meta da taxa dos fundos federais em 2,5 pontos porcentuais, para 4%, e declarado que um crescimento fraco era um temor maior que a inflação. A economia acabou por passar por uma recessão moderada, em parte por causa dos ataques terroristas de setembro de 2001, e a taxa dos fundos federais fechou o ano a 1,75%.

Atualmente, economistas do setor privado calculam as chances de recessão em mais de 33%, mas o Fed só cortou a taxa de curto prazo em 1 ponto porcentual desde agosto e ainda não declarou que o crescimento fraco preocupa mais do que a inflação.

Greenspan, que se aposentou da instituição no ano passado, disse recentemente ao Wall Street Journal que os riscos de inflação são muito maiores atualmente do que em 2001 e por isso seu sucessor, Ben Bernanke, tem menos liberdade para proteger a economia com cortes profundos da taxa de juros. "Este é um ambiente de política monetária muito mais difícil do que qualquer um que eu tenha vivenciado", disse ele.

A ameaça inflacionária mais óbvia vem do petróleo. Ele subiu de US$ 61 por barril no fim de 2006 para US$ 100 atualmente. Isso provocou um forte aumento da inflação anual, para 4,3% no acumulado de 12 meses até novembro. Em comparação, o petróleo ficou em menos de US$ 30 por barril durante a maior parte de 2001, antes de afundar depois dos ataques terroristas de 11 de setembro, e a inflação acabou aquele ano em 1,6%.

O Fed presta mais atenção para o núcleo da inflação, que é menos volátil porque exclui alimentos e energia. Mas esse quadro também é problemático. Desde abril de 2004, o núcleo da inflação medido pelo índice de preços preferidos pelo Fed está acima da faixa de 1,5% a 2% preferida pelas autoridades econômicas, exceto em cinco meses, observa Doug Elmendorf, um ex-economista do Fed que é atualmente um pesquisador da Brookings Institution. O índice caiu no segundo trimestre do ano passado, mas voltou a subir ligeiramente e fechou o ano mais alto.

Ao permitir que a inflação fique seguidamente acima de sua faixa ideal, o Fed corre o risco de alimentar expectativas de uma inflação maior, o que dificulta o próprio combate à inflação, observa Elmendorf. Temores similares preocupam o Banco Central Europeu, cuja capacidade de reduzir os juros está restringida por uma inflação de 3,1% nos países que usam o euro. O BCE tem como meta manter a inflação abaixo dos 2%.

Talvez o contraste mais importante com 2001 seja um aspecto que recebe pouca atenção. Na época, o Fed presidido por Greenspan estava otimista, achando que a proliferação de novas tecnologias havia estimulado o crescimento da produtividade da mão-de-obra e, com ele, a velocidade com que a economia podia crescer sem esbarrar em gargalos de capacidade produtiva. Em junho daquele ano, funcionários do Fed calculavam a taxa de "crescimento potencial" não-inflacionário em 3,4%.

Desde então, o crescimento mais lento tanto da produtividade quanto da força de trabalho levou as autoridades monetárias a estimar o crescimento potencial em somente uns 2,5%. Assim, surgem gargalos inflacionários com taxas de crescimento muito mais moderadas do que as de 2001.

Para muitos economistas de fora do Fed, o temor da inflação é equivocado. "Vejo pouca chance do tipo de espiral salarial que provocou inflação no passado", disse o ex-secretário do Tesouro americano Larry Summers, atualmente um diretor-gerente da administradora de fundos de hedge D.E. Shaw Group, numa palestra recente. "Se eu estiver errado e (uma política monetária mais frouxa) criar pressões inflacionárias indevidas, elas podem ser removidas gradualmente num momento de menos perigo financeiro."