Título: Autopeças investe e cobra expansão das montadoras
Autor: Olmos, Marli
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2008, Empresas, p. B6

Ricardo Benichio / Valor Flavio Del Soldato, presidente da Usiparts, pronto para um crescimento de até 10% na fabricação de carros A indústria brasileira de autopeças está pronta para o crescimento de produção de veículos em torno de 10%, previsto pelas montadoras em 2008. Mas desta vez o gargalo poderá ser nas próprias linhas de montagem de veículos. O alerta vem de Flávio Del Soldato, presidente da Usiparts, empresa de autopeças que pertence à Usiminas.

Fazendo contas a partir do atual variação mensal, a indústria automobilística já está funcionando no ritmo de uma produção anual de 3,3 milhões de veículos. O número já é superior ao total de 3,24 milhões de unidades, calculado pela Associação nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a entidade que reúne as montadoras no país, para este ano.

Salvo surpresas, nada deverá interromper a curva de crescimento do setor automotivo. As linhas de montagem trabalham com médias de 280 mil a 290 mil veículos por mês. A prevalecer a tendência, a produção brasileira de veículos anual estará próxima das 4 milhões de unidades em 2010.

"Para atender essa demanda a indústria precisa ter uma capacidade para pelo menos 5 milhões de unidades", destaca Del Soldato. Hoje as linhas de montagem instaladas no Brasil estão aptas para produzir 3,5 milhões.

Algumas empresas como Volkswagen, General Motors, Fiat e o grupo PSA Peugeot Citröen anunciaram revisões de programas de investimentos que possibilitam ampliar a capacidade a níveis maiores do que os anunciados previamente. Há, no entanto, empresas à espera da autorização das matrizes para elevar a produção.

O setor chegou a um novo ciclo de investimentos. Resta saber se a indústria montadora tem o mesmo entusiasmo para dar passos tão largos como os que deu em meados da década de 90. Naquela ocasião, os cálculos de crescimento ficaram abaixo da realidade, frustrando a todos.

Por isso, já se pensa em outras formas de resolver o problema se o gargalo de fato se concentrar na indústria terminal, como diz o presidente da Usiparts. Pouco antes de o ano terminar, o presidente da Volks do Brasil, Thomas Schmall, acenou com a possibilidade de testar no Brasil um modelo utilizado na Europa: a terceirização de montagem final.

A Usiparts é parte interessada nesse processo. A empresa já fornece partes acabadas de carroceria para as fábricas da Mitsubishi, em Catalão (GO). E para os fabricantes de caminhões Ford e Scania, em São Bernardo do Campo (SP). Del Soldato conta que a Usiparts investiu R$ 80 milhões na compra de prensas para se preparar para a nova fase de crescimento do setor.

Não apenas a Usiparts pensou em investir antes de os pedidos aumentarem ainda mais. Pesquisa recente do Sindipeças mostrou que 77% dos associados tomaram a iniciativa de investir em 2007, mesmo sem o estímulo direto dos clientes, como resultado da constatação de que a forte demanda do mercado brasileiro de veículos não é um movimento passageiro.

O Sindipeças acusa um total de investimentos de US$ 1,35 bilhão na indústria de autopeças em 2007. Segundo Paulo Butori, presidente da entidade, o total de recursos aplicados pelo setor em 2008 deverá somar US$ 1,6 bilhão.

"Os investimentos do setor de autopeças não aparecem tanto quanto os das montadoras, mas isso vem acontecendo", afirma Gábor Déak, presidente da Delphi, uma das maiores fabricantes de autopeças do mundo. Em 2007, quase todas as fábricas brasileiras dessa companhia americana trabalharam 24 horas por dia.

Há mais ou menos um ano, as montadoras viviam se queixando da falta de componentes. Muitos automóveis iam para os pátios sem alguma peça, que tinha de ser instalada no próprio estacionamento do estoque. Os fabricantes de veículos pararam de reclamar.

Poucos dias antes do Natal, o vice-presidente mundial de compras da General Motors, Bo Andersson, passou pelo Brasil para visitar as fábricas da companhia e seus fornecedores. Segundo disse, o principal motivo da sua visita ao país foi "agradecer pessoalmente" os fabricantes de autopeças por terem ajudado a montadora a elevar a produção.

Segundo Andersson, boa parte dos 300 fornecedores que a GM tem no Brasil trabalharam 24 horas por dia em 2007. O executivo reclama, no entanto, da falta de competitividade em três segmentos: aço, vidros e pneus. Isso é que leva, segundo ele, à importação. A GM comprou pneus da China em 2007. Andersson afirma que a montadora prefere se abastecer nos mercados em que vende os veículos. "Deslocar peças em navios é bem mais difícil", diz. No entanto, afirma o executivo, a empresa continuará importando itens quando avaliar que falta competitividade local.

Na análise de final de ano para os associados, Butori reclamou apenas do câmbio. "O ano de 2007 foi muito bom para o setor de autopeças. Apesar das dificuldades provocadas pela valorização do real ante o dólar, que nos fez perder rentabilidade nas exportações e amargar o primeiro déficit comercial desde 2002, vivemos momentos diferentes de tudo a que assisti desde que assumi a presidência do Sindipeças, em 1994", destacou.

A indústria de autopeças terminou 2007 com faturamento total de US$ 35,7 bilhões, o que representa um crescimento de 19,80% na comparação com 2006. Desse total, 63,4% foram obtidos com o fornecimento para as fábricas brasileiras das montadoras. Como o total importado - US$ 9 bilhões - ficou acima da soma das exportações - US$ 8,9 bilhões -, essa indústria registrou um déficit de US$ 100 milhões, depois dos anos seguidos de superávit desde 2002. Os fornecedores de peças abriram 16 mil novas vagas em 2007, terminando o ano com 215 mil empregados.