Título: O fim da unicidade sindical no Brasil
Autor: João, Paulo Sergio
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2008, Legislação, p. E2

A limitação legal imposta para a liberdade sindical contraria o exercício das liberdades civis, direito básico de aperfeiçoamento democrático de uma sociedade plúrima. Que reação teríamos se outros sindicatos fossem formados concorrendo com os atuais reconhecidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego?

Há muito se luta pela afirmação de que o modelo sindical é incompatível com os princípios democráticos de uma sociedade plúrima, de respeito à liberdade de expressão, essência do ser humano e que imprime às suas manifestações identidade própria.

A liberdade sindical é um direito individual, garantido constitucionalmente, assegurada aos que desejam manifestá-la coletivamente por meio de associação profissional ou sindical.

Como direito individual está atrelada ao exercício democrático de direitos civis e políticos, substrato de uma sociedade que reconhece aos cidadãos a livre manifestação da diversidade cultural e ideológica.

Ao trilhar a garantia da liberdade sindical o constituinte de 1988 a protegeu contra o autoritarismo: impediu a intervenção do Estado; proibiu lei que estabelecesse condições para formação de sindicatos; e, no nível individual, deu à liberdade de associação sindical o direito de não se filiar e direito de se filiar. Mas não impediu que outros sindicatos fossem formados pelos trabalhadores.

Todavia, na prática, impôs a unicidade sindical, identificada pela contribuição sindical obrigatória para manter a estrutura confederativa. Paradoxalmente, aponta para liberdade sindical e se fundamenta na possível habilitação de recebimento de contribuição sindical como vínculo jurídico de representatividade.

A realidade demonstra, contudo, que esta estrutura monolítica do sindicalismo brasileiro não se sustenta. Faltava declaração formal de que tudo não passava de mero cenário oportunista e anacrônico cujo debate se coloca na sustentabilidade de sindicatos de funções meramente cartorais.

Primeiro, afirma-se o receio de que sem suporte econômico obrigatório a estrutura sindical não fica em pé e muitos sindicatos deixariam de existir porque não teriam como pagar as contas e, nem mesmo, como manter o nível de assistencialismo aos associados.

Este argumento é frágil e contraditório. A representatividade não pode ser sustentada com aporte econômico de integrantes da categoria e benefício de assistencialismo exclusivo aos sócios. Seria mais honesto inverter as posições: primeiro a adesão espontânea e, depois, o assistencialismo aos que fortalecem a adesão sindical.

-------------------------------------------------------------------------------- A unicidade sindical de que trata a Constituição não impede a criação de mais de um sindicato na mesma base territorial --------------------------------------------------------------------------------

Segundo aspecto é o da sustentação jurídica da unicidade sindical. De fato, os sindicatos são representativos porque têm este reconhecimento pelo Estado que outorga o código sindical, espécie de alvará para exigir pagamento de contribuição sindical. Este elo jurídico é falso porque contra a vontade política dos representados que talvez preferissem organizações mais legítimas. Convém observar que a Constituição Federal não impede, em respeito à liberdade de associação profissional, que outras entidades sindicais, na mesma base territorial, representando a mesma categoria, constituam-se de modo legítimo.

Portanto, não há impedimento legal para a formação de sindicatos que espelhem a diversidade ideológica dos trabalhadores. Ao contrário, a Constituição Federal assegura a formação de associação profissional sem restrições quanto ao exercício do direito individual da liberdade sindical.

Neste aspecto, a Constituição Federal, artigo 8º, III, trata da representatividade territorial única, mas não da existência única de um sindicato. Vale dizer, que nada justifica, por exemplo, que os metalúrgicos de São Paulo sejam representados por um único sindicato, vinculado à Força Sindical; ou, ainda, que os bancários tenham um único sindicato filiado à Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Recentemente, o Projeto de Lei Complementar nº 88, de 2007, que deu às centrais sindicais representatividade dos trabalhadores por meio dos sindicatos e que lhes atribui 10% da parte da cota sindical da Conta Emprego e Salário, revela o paradoxo do nosso sindicalismo.

Na primeira análise, está na insistência de preservação de contribuição compulsória para sustentação de centrais sindicais e, na segunda análise, é imposta aos trabalhadores a cotização de fins ideológicos, sem consulta aos trabalhadores se assim desejam.

Uma verdadeira apropriação econômica para sustentação de ideologias, sem que o contribuinte tenha tido a oportunidade de escolher. Seria o mesmo que exigir recolhimento de contribuição para manutenção de partido político ou de uma seita religiosa sem que as pessoas pudessem escolher. Há algo de errado nisto! Os paradoxos não terminam.

O governo está admitindo o pluralismo ideológico de cúpula pelas Centrais, mas não na base, fonte essencial de custeio do sistema. Portanto, em nível de negociações coletivas pelas Centrais, se aprovado o texto, viveremos o pluralismo sindical deformado na base, onde os trabalhadores mais intensamente sentem a necessária adequação de seus interesses e deverão respeitar a unicidade.

Então, é chegada a hora de se utilizar o direito à liberdade sindical, mediante formação de outras entidades sindicais que, mesmo sem a contribuição sindical, poderiam, por absoluta legitimidade de representação desde sua criação, atuar em negociações coletivas, fazendo prevalecer princípios básicos, inseridos nas Convenções nº 87 e nº 98 da Organização Internacional do Trabalho.

Finalmente e em resumo, consideramos que a unicidade sindical de que trata a Constituição Federal não impede a criação de mais de um sindicato na mesma base territorial; a autonomia negocial e inserção na estrutura sindical das Centrais Sindicais autoriza a pluralidade sindical na base; o desvio de contribuição sindical às Centrais Sindicais se trata de apropriação ilegal para manutenção de eventual ideologia sindical sem relação direta com os contribuintes; a legitimidade sindical não se faz pela contribuição sindical mas pela adesão voluntária de trabalhadores aos sindicatos. Cabe aos trabalhadores a busca de uma relação verdadeira com a entidade sindical que o representa com a formação de outras entidades sindicais; os empregadores terão de conviver com o pluralismo sindical e identificar verdadeiros interlocutores para as negociações coletivas. Parece inevitável que o sindicato por empresa fortalecerá no futuro as negociações coletivas.

Paulo Sergio João é professor da PUC-SP e da FGV e sócio do escritório Mattos Filho Advogados

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