Título: Déficit da Previdência pode cair após 12 anos
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2008, Brasil, p. A3

O ano de 2007 pode ter sido o último de um longo ciclo para a Previdência Social do país. Medido como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), o déficit do regime - que desde 1996 cresceu todos os anos, com exceção de 2000 - entrará em trajetória de queda a partir de 2008, acredita o governo. Se a economia se comportar como esperado, favorecendo a expansão da massa salarial e de postos formais de trabalho, o ciclo que se inicia também pode ser longo. "Se tudo der certo, as necessidades de financiamento do regime cairão gradualmente em relação ao PIB, por uma ou até duas décadas", disse o secretário de Políticas de Previdência Social do Ministério da Previdência, Helmut Schwarzer.

Ele prevê que, já em 2011, a relação déficit/PIB estará em torno de 1,3%. Isso representaria queda de meio ponto percentual em relação a 2006, quando as despesas com o pagamento de benefícios superaram a receita líquida de contribuições previdenciárias em montante equivalente a 1,8% do produto.

Para 2007, Helmut projeta déficit de R$ 46,65 bilhões, com despesas de R$ 185,95 bilhões e uma arrecadação de R$ 139,3 bilhões. Esse resultado corresponde a 1,84% do PIB , se considerada a última estimativa de PIB nominal feita pela equipe econômica. O secretário pondera, no entanto, que o crescimento do déficit por mais um ano está influenciado pela mudança no calendário de pagamento de benefícios, fator que antecipou para dezembro gastos que seriam feitos só em janeiro deste ano (2008). Sem esse efeito, o rombo ficaria próximo de 1,72% do PIB em 2007.

Tanto governo quanto Congresso apostam numa virada de tendência este ano. No projeto original do orçamento de 2008, encaminhado em agosto, o Executivo previu déficit de R$ 41,6 bilhões - ou 1,51% do PIB nominal estimado na mesma proposta. O Congresso foi ainda mais otimista e reduziu a projeção para 1,35% do PIB. O percentual ficou menor pela reestimativa de receitas previdenciárias e do aumento do PIB nominal projetado para 2008. Mesmo com ajustes na despesa, o déficit esperado caiu nominalmente para R$ 37,2 bilhões na nova versão do projeto, ainda em tramitação.

O Regime Geral de Previdência Social (RGPS) é aquele para o qual contribuem e pelo qual se aposentam trabalhadores do setor privado, de empresas estatais e ainda a parcela do funcionalismo público sem regime próprio de previdência, como os servidores da maioria dos municípios. Já os servidores da União, dos Estados e de Municípios maiores estão fora do RGPS, porque têm regimes próprios.

Bancado pelo Tesouro Nacional, o déficit entre receitas e despesas do RGPS tende a cair como proporção do PIB "em função do ciclo favorável no qual entrou a economia brasileira", explica Schwarzer, referindo-se à aceleração da taxa de crescimento. No seu projeto de Plano Plurianual (PPA) até 2011, o governo demonstra que espera crescimento de pelo menos 5% ao ano, durante os próximos anos.

Há, porém, economistas que vêem com ceticismo essa possibilidade. É o caso de Raul Velloso, especialista em finanças públicas. Em 2007, admite ele, o PIB pode até ter crescido nesse ritmo. "Mas isso não é sustentável", alerta. Na sua opinião, diante da demora e da escassez de investimentos em infra-estrutura, na melhor das hipóteses, o país crescerá 4% ao ano no médio prazo. E, combinada com a política de reajustes do salário mínimo, que prevê incremento real até 2011, essa taxa não é suficiente para assegurar queda do déficit da Previdência Social como proporção do PIB.

Na visão do governo, as perspectivas para a Previdência Social são favoráveis não apenas pela aceleração do crescimento, mas também por suas características, pois o país cresce com aumento de massa salarial e formalização de empregos, o que favorece a arrecadação de contribuições previdenciárias.

Na comparação dos primeiros onze meses de 2006 e 2007, por exemplo, a arrecadação líquida da Previdência demonstrou aumento vigoroso, de 9,2% acima da inflação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Também houve elevação de despesas, principalmente por causa do aumento do salário mínimo, ao qual é atrelada a maioria das aposentadorias e pensões do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS, órgão que concede e paga os benefícios do RGPS). Mas o ritmo, nesse caso, foi menor; os gastos cresceram 6,3% acima da inflação.

Ao contrário de Velloso, o governo entende que a definição de uma política de reajustes para o salário mínimo nos próximos anos ajuda nas expectativas favoráveis sobre as contas da Previdência, na medida em que dá previsibilidade sobre o comportamento dos gastos. O governo conta ainda com medidas de gestão, que já trazem ganhos.

Uma delas é a fusão das antigas secretarias da Receita Previdenciária e da Receita Federal num só orgão - a Secretaria da Receita do Brasil. Isso tornou a fiscalização indireta mais eficiente, melhorando o combate à sonegação de contribuições. "É poderoso poder cruzar informações e comparar o que uma empresa arrecadou em outros tributos com o que ela recolheu à Previdência", diz Schwarzer.

Houve medidas também para melhorar o controle de gastos. O secretário considera que uma das mais importantes foi a ampliação do quadro próprio de médicos peritos do INSS, que verificam e atestam a real necessidade ou não de pedidos de auxílios-doença e de aposentadorias por invalidez. A realização de concursos para substituição de médicos peritos terceirizados, a partir de 2005, colocou um freio no até então crescente ritmo de concessões de auxílios-doença. Em 2000, ano a partir do qual houve forte processo de terceirização, o estoque de benefícios dessa modalidade era próximo de meio milhão, lembra Helmut. Até 2005, triplicou, chegando a 1,5 milhão. Agora está sob controle, em patamar ligeiramente inferior a esse, informa o secretário.

Houve também alteração de regras. Agora, a duração dos auxílios-doença é previamente definida na concessão. Se o trabalhador não pede prorrogação e nova perícia, o benefício deixa de ser pago automaticamente. Antes, a duração era indeterminada. O pagamento só podia ser suspenso após o trabalhador receber alta em nova perícia médica.

Apesar do freio no ritmo de crescimento, os auxílios-doença e as aposentadorias por invalidez somam quase 3 milhões de benefícios. "Isso significa que cerca 14% do total de contribuintes do regime está em situação de incapacidade laboral, o que está muito acima da relação internacionalmente aceitável, que é de 7%", diz Schwarzer. Embora seja ruim, o indicador mostra que ainda há espaço para redução de gastos. A tarefa, nesse caso, é "melhorar a prevenção de acidentes do trabalho, de doenças ocupacionais e a saúde e segurança do trabalhador de uma forma geral", afirma o secretário do Ministério da Previdência, que já trabalha políticas nesse sentido. "Esse é um item importante quando se trata da sustentabilidade do RGPS no longo prazo", explica.

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