Título: Chávez, Morales e Correa são fator de estabilidade, diz assessor de Lula
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 06/02/2008, Brasil, p. A2

Os presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, da Bolívia, Evo Morales, e do Equador, Rafael Correa, governantes em meio a sérias crises políticas em seus países, são os responsáveis pela "construção de um novo equilíbrio político", e podem ser os responsáveis por uma "nova estabilidade" na região andina, defende o principal articulador de política externa no Palácio do Planalto, o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia.

A avaliação faz parte de um artigo sobre a situação econômica e política da América do Sul que Garcia publicará na próxima edição da revista "Teoria & Debate", da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT. "O entendimento dos processos em curso na América do Sul permitirá entender não só as formulações mais gerais da atual política externa brasileira, como suas manifestações práticas", escreve Garcia, em uma clara menção às ações de Lula em apoio aos governos da região.

A análise de Marco Aurélio Garcia não se detém no conflito político boliviano, que levou governadores de oposição a rejeitar a Constituição votada pelo partido do governo e a decretar autonomia em suas províncias - ação criticada duramente por Morales. Os eventos na Bolívia, assim como as turbulências políticas na Venezuela e no Equador e os projetos reformistas que disputaram o poder no Peru, pertencem todos ao mesmo fenômeno, "a emergência das camadas populares na política", resume o assessor de Lula.

"Essa irrupção ocorre num ambiente institucionalmente frágil, quando não em desagregação", nota Garcia. "Não é ocasional - menos ainda resultado de um suposto radicalismo - que, em três desses quatro países, tenha-se colocado a necessidade de uma Assembléia Nacional Constituinte, para reorganizar as instituições". Chamar a linha política dos governos andinos de "nacionalismo populista" é, para Garcia, uma "visão simplista, teoricamente, e conservadora, politicamente".

A emergência dos novos e belicosos governos na região foi resultado, na avaliação de Garcia, do fracasso de uma "classe dominante fundamentalmente rentista e parasitária" que não aproveitou as abundantes fontes minerais e de combustíveis desses países para industrializar o país, agregar valor aos recursos naturais ou fortalecer a agricultura voltada ao mercado interno. Ao lado da instabilidade provocada pela fragilidade das economias, a discriminação contra a população de origem indígena potencializou os conflitos sociais. Para Garcia, "sistemas políticos perversos", com a exclusão dos grupos populares, especialmente indígenas, levaram os países andinos ao colapso que os marcou no passado recente.

Na opinião de Garcia - compartilhada com ressalvas pelos diplomatas do Itamaraty, que costumam demonstrar maior preocupação com atitudes mais agressivas dos governantes da região - governos como o de Chávez, Evo Morales e Rafael Correia são resultado do frágil equilíbrio de forças possível, nas condições de conflito social existentes nesses países.

"Os sintomas de 'instabilidade' que alguns detectam nesses ricos processos são fundamentalmente sinais recorrentes em todas as 'mudanças de época' na história", argumenta Garcia ao defender que a situação desses países é "mais que uma época de mudanças". Chávez, Morales e Correa, para Garcia, "longe de serem fatores de instabilidade, são, antes, a possibilidade real de uma nova estabilidade fundada não na desigualdade e iniqüidade sociais ou na submissão externa, mas na soberania nacional e popular".

Garcia não comenta a derrota recente de Chávez em sua tentativa de referendar uma nova Constituição que faria profundas mudanças no país e aumentaria o poder do presidente. Interlocutor freqüente de Chávez e Correa, como emissário de Lula, ele evita falar dos problemas econômicos da Venezuela, como a alta inflação e as pressões sobre o câmbio.

Desculpando-se por tratar esquematicamente da situação política da região, devido às limitações de um artigo para revista, Garcia deixa propositadamente de lado "situações complexas e relevantes" da Colômbia e do Paraguai para se concentrar na comparação entre os demais países andinos e do Cone Sul. Ele compara Argentina, Brasil, Chile e Uruguai para afirmar que a vitória dos partidos de esquerda nesses países se deveu ao fracasso das políticas de ajuste macroeconômico em garantir aumento do bem estar e a melhoria na distribuição de renda.

Incluindo inexplicavelmente o Chile no quadro dos países onde a democratização se deu após profunda crise econômica, Garcia é otimista com a Argentina, incluído por ele entre os países que "entraram em um ciclo virtuoso de desenvolvimento, que associa crescimento, distribuição de renda e fortalecimento democrático".

"Os dilemas que vive a região não são o resultado de visões 'realistas' de um lado contra posições 'ideológicas' e 'voluntaristas', de outro", diz Garcia. São apenas frutos de "interesses diferenciados", argumenta. Lembrando que os analistas internacionais prevêem, para os países do Cone Sul, um impacto da atual crise econômica internacional muito inferior ao verificado durante as crises dos anos 90, Garcia comenta que a América do Sul tem "grandes perspectivas" à frente, com o declínio da influência absoluta dos Estados Unidos no cenário político, desde que consiga criar uma "infra-estrutura física e energética" capaz de integrar os diversos países da região.