Título: Economia deve substituir a política como a maior preocupação a afligir a América Latina em 2008
Autor: Fraga, Érica
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2008, Internacional, p. A9

Os últimos quatro anos marcaram um período de condições econômicas externas extremamente favoráveis para a América Latina, enquanto a balança de preocupações para a região pendeu para o lado político. Em 2008, essa equação vai se inverter. O cenário político será de acomodação das tendências e tensões que afloraram em anos recentes. Já a infante estabilidade econômica da região enfrentará o primeiro grande teste com a continuação dos problemas no mundo financeiro global, que contribuirão para uma forte desaceleração do crescimento nos EUA em meio a pressões inflacionárias crescentes e preocupantes em muitos países latino-americanos.

Mas isso não quer dizer que as economias da região corram sério risco de um colapso econômico. O cenário central da Economist Intelligence Unit (EIU) para a América Latina em 2008 é de moderada desaceleração do crescimento econômico. Depois de se expandir a uma taxa média de 5,1% entre 2003 e 2007 - o dobro da registrada nos últimos 26 anos - o PIB da região crescerá 4,3% em 2008.

A projeção se baseia na hipótese de que medidas tomadas pelos principais bancos centrais do mundo, como novos cortes de juros, mitigarão os efeitos da crise financeira causada pelo excesso de alavancagem no mercado imobiliário dos países desenvolvidos sobre a economia real. O PIB dos EUA crescerá 1,5% em 2008, depois de uma já modesta expansão em 2007 estimada em 2,1%.

Os principais canais de contágio dessa desaceleração para a América Latina serão uma menor demanda pelos produtos exportados pelos países da região e uma diminuição do fluxo de remessas de dinheiro de trabalhadores latinos radicados nos EUA. Afinal, os EUA ainda são o principal parceiro comercial da região e abrigam cerca de 14,5 milhões de imigrantes latinos legais e ilegais. Por sua alta dependência em relação à maior economia do mundo, o México e os países da América Central e do Caribe serão os mais afetados pelo menor crescimento americano.

No entanto, nos últimos anos tem se consolidado uma tendência de diversificação dos mercados exportadores latino-americanos, principalmente graças à forte demanda dos países asiáticos - com destaque disparado para a China - por commodities. Como os países emergentes asiáticos continuarão a crescer a taxas robustas em 2008, o impacto negativo da menor demanda importadora norte-americana será parcialmente compensado. Melhorias macroeconômicas estruturais ocorridas em grande parte dos países latino-americanos que aproveitaram os últimos anos de abundante liquidez global para trocar dívida externa por doméstica e acumular significativos estoques de reservas internacionais também ajudarão a frear os efeitos da crise.

O grande risco é que ocorra uma desaceleração mais forte que a projetada ou uma recessão nos EUA - cujo risco de ocorrência atribuído pela EIU é de nada desprezíveis 40% -, o que teria efeitos amargos para a América Latina. Mas, ainda assim, esses efeitos seriam piores em alguns países do que em outros. O México seria certamente um dos mais afetados, enquanto o Brasil estaria no time dos países que tendem a sofrer menos.

Um outro risco são as crescentes pressões inflacionárias em todo o mundo, principalmente em alimentos. A combinação de secas, elevados preços de petróleo, alta demanda por biocombustíveis e queda nos estoques de algumas commodities são alguns dos fatores por trás do repique inflacionário recente. Esses problemas vão persistir em 2008 - quando o preço médio do petróleo, por exemplo, subirá pelo sétimo ano consecutivo - e muitos bancos centrais da região enfrentarão o desafio de não poder reduzir juros para amenizar os efeitos da desaceleração econômica nos EUA.

Em meio a esse contexto de tantos perigos econômicos, o cenário político para 2008 parece relativamente calmo, embora os riscos de casos isolados de instabilidade não sejam inexistentes. Apenas duas eleições presidenciais ocorrerão na América Latina neste ano (no Paraguai, em abril, e na República Dominicana, em maio), contra 12 em 2006 e 4 em 2007. Na República Dominicana, o pleito será tranqüilo e o atual presidente, o social-democrata Leonel Fernández, deverá ser reeleito.

No Paraguai, o cenário eleitoral é mais complicado. Pela primeira vez em mais de 60 anos, o Partido Colorado - que está há mais tempo no poder de forma ininterrupta atualmente no mundo - corre grande risco de perder uma eleição presidencial. As preferências eleitorais têm pendido para os não-colorados Fernando Lugo, ex-padre e novato na política, e para o ex-general Lino Oviedo. Mas dada a forte máquina eleitoral comandada pelo partido e o fato de que não existe segundo turno no Paraguai, é provável que o resultado do pleito seja bastante fragmentado, o que deve gerar instabilidade.

Bolívia e Equador, que foram os principais focos de tensão política na América do Sul nos últimos anos, estarão novamente sob os holofotes da mídia. Tanto Evo Morales, presidente da Bolívia, como Rafael Correa, presidente do Equador, tentarão impor seus projetos políticos por meio de novas Constituições que serão submetidas a referendos em 2008. Mas, embora os dois mandatários de esquerda sigam com popularidade alta, Bolívia e Equador são países divididos. Isso forçará seus governos a dialogarem com a oposição, especialmente depois que Hugo Chávez, presidente da Venezuela e principal aliado politico de Morales e Correa, foi derrotado em um referendo que visava à aprovação de um polêmico projeto de reforma constitucional em dezembro.

Tudo isso indica que os acontecimentos políticos representarão mais um passo na consolidação da democracia na América Latina em 2008, ano que marcará o início das comemorações do bicentenário dos movimentos que conduziram à independência da região.

Érica Fraga é editora para América Latina da consultoria britânica Economist Intelligence Unit