Título: Incertezas sobre os rumos da inflação aumentam
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2008, Opiniao, p. A10

A palavra incerteza é a que melhor sintetiza o relatório de inflação do Banco Central (BC), divulgado na semana passada. A partir de sua leitura, depreende-se que, mesmo reconhecendo que o cenário externo se deteriorou, o BC ainda não vê motivos para apostar no pior. Por outro lado, não se compromete com a tese, disseminada em setores importantes do governo Lula, de que, na hipótese de uma desaceleração ou mesmo de uma recessão nos Estados Unidos, o Brasil escapará ileso.

O Banco Central avalia que, desde o relatório anterior, divulgado em setembro, o balanço de riscos para a trajetória esperada da inflação tornou-se menos favorável, "tanto do ponto de vista dos fatores externos como dos internos". Apesar disso, o aumento das incertezas sugere que o Comitê de Política Monetária (Copom) deverá manter inalterada a taxa básica de juros (Selic) nos próximos meses. A boa notícia é que, se não sinaliza uma tendência de queda da Selic, o documento também não revela uma propensão a aumentá-la.

O relatório de inflação é peça fundamental do regime de metas para inflação adotado pelo Brasil em 1999. É nele que as autoridades monetárias detalham suas análises sobre o estado da economia, a trajetória da inflação, os riscos envolvidos. A leitura do documento dá aos agentes econômicos uma idéia ampla de como os responsáveis pela política monetária estão observando os fatos e de como pretendem se comportar diante deles. A administração de expectativas é parte essencial do sucesso do regime de metas.

Na última edição de 2007, o relatório diz que o cenário principal com que trabalha para 2008 prevê um arrefecimento moderado do ritmo de expansão da economia mundial. Ao mesmo tempo, lembra que o ambiente externo se tornou não apenas menos favorável, mas também mais incerto. Do lado interno, aposta na continuidade do ciclo de crescimento da economia brasileira, mas alerta para a elevação dos riscos inflacionários.

Na hipótese de uma desaceleração mais intensa da locomotiva americana, com impactos negativos se espalhando nos mercados europeu e asiático, o Banco Central observa que isso reduziria as exportações brasileiras, atuando como um fator de contenção da demanda. A queda dos preços das commodities poderia contribuir, por sua vez, para uma inflação menor no Brasil. Esses seriam, em tese, os possíveis efeitos positivos de uma redução mais drástica do crescimento mundial.

Esse mesmo cenário, ressalva o Banco Central, teria conseqüências negativas para a economia brasileira. A aversão dos investidores internacionais ao risco aumentaria, reduzindo a demanda por ativos brasileiros e contribuindo, portanto, para a depreciação de seus preços. No médio prazo, assinala o relatório, uma redução das exportações poderia ter efeito similar sobre os preços de certos ativos do país. Com isso, conclui o BC, "a capacidade de o setor externo contribuir para mitigar riscos inflacionários poderia ficar comprometida".

Nos últimos anos, o setor externo teve papel importante na manutenção da inflação dentro da variação definida para o regime de metas. A valorização do real frente a outras moedas barateou o custo dos bens importados, especialmente os de máquinas e equipamentos, concorrendo para importante redução do custo de capital das empresas e, portanto, para a necessária ampliação da capacidade produtiva.

Num contexto em que crescem as incertezas no front externo, o BC chama a atenção para as pressões que a demanda doméstica está exercendo sobre a inflação. Esta é, sem dúvida, a advertência mais severa do relatório divulgado na quinta-feira. Mesmo prevendo para 2008 um avanço dos preços ligeiramente superior ao de 2007 - 4,3% face a 4,2% -, o relatório manifesta preocupação com a recente aceleração inflacionária. "Aconteceu uma surpresa inflacionária nos últimos meses, em parte ligada à inflação de alimentos. O ambiente de demanda aquecida contribui para que essa inflação seja repassada a outros preços", observou o diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita. "O BC trabalha para evitar que isso ocorra."