Título: Cade vê baixa concentração no país
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2008, Finanças, p. C1

O setor bancário brasileiro possui concorrentes fortes, não é concentrado, mas carece de competição. Essa é a visão geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça sobre o mercado financeiro. O órgão antitruste retomou, com força, o julgamento de fusões e aquisições bancárias, ao aprovar a compra do ABN AMRO pelo Santander, no último dia 12, e deverá receber novos negócios do setor para analisar em 2008.

Para verificar os impactos daquele negócio - o maior do setor já realizado no Brasil - sobre a concorrência, o Cade descreveu a participação de mercado dos principais bancos do país em cada segmento de serviços prestados por eles. A conclusão é que há poucos bancos com mais de 20% de participação num determinado serviço. Isso indica que o setor financeiro é bastante pulverizado no Brasil.

A cota de 20% é a mínima prevista pela Lei de Defesa da Concorrência (nº 8.884) para que empresas notifiquem suas fusões ao Cade. Além desta cota, as empresas têm de enviar os seus negócios ao Cade sempre que uma delas faturar mais de R$ 400 milhões no Brasil - razão pela qual todos os grandes bancos deverão enviar as suas aquisições ao Cade, pois eles faturam bem mais do que este limite.

Em nove setores de atividade bancária analisados pelo Cade, há apenas seis casos de participação maior do que 20%. Estes casos envolvem: o Banco do Brasil nos mercados de depósitos nacionais (21,7%), de depósitos à vista (29%), de poupança (20%) e de empréstimos e arrendamento mercantil (21,4%); a Caixa Econômica Federal no mercado de poupança (32,8%); e o Bradesco no mercado de seguros (21,9%). O conselheiro Ricardo Cueva avalia que essa análise inicial permite ao Cade concluir que a concentração no setor é menor do que diz o senso comum. "Os grandes bancos são vistos como verdadeiros monolitos, mas disputam acirradamente em vários setores", diz Cueva.

Abraham Sicsú, relator do processo da compra do ABN pelo Santander, elaborou um quadro geral sobre a concentração bancária no mundo. Ele concluiu que o Brasil está entre os países onde há menos concentração, só perdendo para os Estados Unidos. Com dados do Banco Mundial, Sicsú fez a soma dos três maiores bancos em ativos comerciais em cada país. No Brasil, os três maiores (BB, CEF e Bradesco) possuem 45% dos ativos. "Estamos em nível semelhante ao da Argentina (45,4%) e do Reino Unido (49,3%), porém menos concentrados que o Chile (57,6%) e a França (56,9%)." Apenas os EUA possuem concentração mais baixa: 29,3%. Já países como a Alemanha (65,4%), Austrália (64,2%) e Portugal (90,6%) possuem concentrações muito maiores.

Mas, se os bancos são fortes no Brasil e a concentração é pequena, onde estão os problemas de competição no setor? A presidente do Cade, Elizabeth Farina, avalia que o mercado financeiro sofre do problema da assimetria de informações. Segundo ela, tanto os bancos quanto os clientes carecem de dados sobre os serviços. Os bancos têm pouca informação sobre os clientes para quem dão crédito, por exemplo. Então, a tendência, segundo Farina, é atribuir uma probabilidade de inadimplência maior para os clientes. "E do ponto de vista do aplicador, não é possível saber se o banco em que você está pondo a poupança pode ter problemas amanhã."

Essas assimetrias de informação elevam os custos para o cliente trocar de banco. "Ainda que os clientes conheçam as taxas dos serviços e possam compará-las, o custo de mudança faz com que eles reflitam se vale a pena transferir a sua conta", diz Farina. Daí, o impacto na concorrência. Muitos clientes não trocam de bancos porque é difícil estimar os custos desta mudança.

O Cade entende que é possível implementar maior competição no setor através de três medidas já encaminhadas pelo Banco Central. São: o cadastro positivo, a portabilidade e a conta-salário. As três facilitam a troca de contas pelos clientes, mas cabe ao BC implementá-las. "São três pilares que permitiriam que os consumidores se movessem mais", diz Cueva, que participa de um grupo de cooperação técnica entre o Cade e o BC. O objetivo é chegar a um guia comum de análise de fusões bancárias. A idéia é que o BC fique com os casos em que há risco sistêmico - as fusões em que possíveis boatos sobre a não aprovação podem gerar correrias de consumidores e, com isso, levar bancos à falência. Nos demais, o Cade fará a análise e o BC fornecerá dados para ajudá-lo.