Título: O lado bom e o ruim dos dados das contas públicas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2008, Opiniao, p. A14

Os dados da política fiscal de 2007, vistos de forma consolidada, são bastante animadores. O superávit primário do setor público, que exclui o pagamento dos juros, atingiu R$ 101,6 bilhões, 3,98% do Produto Interno Bruto (PIB), superior, portanto, à meta estabelecida para o ano, de 3,8% do PIB. O crescimento econômico revigorou as contas da União, dos Estados e dos municípios, abrindo mais espaço para as empresas estatais investirem em obras de infra-estrutura. Só do orçamento fiscal foram investidos R$ 22,1 bilhões, cifra bem mais robusta que os R$ 17,41 bilhões realizados em 2006.

A dívida líquida como proporção do PIB, um indicador relevante de solvência do setor público, fechou o ano em 42,8%, o menor patamar deste o lançamento do Programa de Estabilidade Fiscal, em 1998, quando o governo de Fernando Henrique Cardoso fixou como um de seus objetivos a redução do endividamento para algo abaixo de 44% do PIB.

A redução do endividamento público foi possível graças à combinação de superávits primários e maior crescimento da economia nos últimos anos. As previsões para este ano, segundo o Banco Central, também são auspiciosas. Embora o governo não tenha meta indicativa para a dívida líquida, tem o compromisso de manter superávits primários de 3,8% para, ao longo dos próximos anos, atingir o déficit nominal zero e reduzir a dívida ao menor patamar possível. Se a economia em 2008 crescer 4,5% e a taxa básica de juros (Selic), hoje de 11,25% ao ano, não subir, a dívida líquida diminuirá para 41,5% do PIB, conforme as projeções do BC.

Do lado do superávit primário, o governo central (governo federal, BC e INSS) contribuiu com um saldo de 2,33% do PIB, maior, portanto, do que os 2,2% do PIB ocorridos em 2006, mas inferior aos 2,35% do PIB de 2005. Os Estados e municípios tiveram superávit de 1,17% do PIB, o mais alto desde 1991; e as empresas estatais federais, estaduais e municipais fizeram um superávit de 0,48% do PIB, abaixo do 0,82% do PIB observado em 2006.

O gasto com juros da dívida chegou ao menor percentual como proporção do PIB desde 1997, 6,25%. A Selic média em 2007 foi de 11,9%, abaixo dos 15,1% ocorridos em 2006. Para 2008, a previsão do BC é de que o gasto com juros caia para 5% do PIB, considerando a projeção de mercado de uma taxa de 11,3% no ano. Com isso, o déficit nominal do setor público ficou em 2,27% do PIB, o mais baixo da série estatística do BC, que começa em 1991. Para 2008, as projeções do BC indicam déficit nominal de 1,2% do PIB.

Diante desse desempenho, ficaram para trás os anos de risco de insolvência do setor público, que eram expostos a cada crise externa que abalava os fluxos de capitais para o país e exigia, como resposta do governo, um aumento da taxa de juros e mais rigor fiscal.

Os dados consolidados são, assim, bastante positivos sob o critério da capacidade do governo de, hoje, honrar seus compromissos. Mas ainda não são promissores se avaliados pelo critério da qualidade do gasto público. Nesse aspecto, falta muito para avançar.

Em 2007 os gastos primários do governo federal continuaram sob forte crescimento, superando a expansão nominal do PIB, estimada pelo Ministério da Fazenda em 9,4%. Esses gastos, que excluem juros e amortização de dívida, tiveram aumento de 13,3% sobre o ano anterior, atingindo R$ 455,44 bilhões. Isso revela não só o crescimento de 26% dos investimentos sobre o realizado em 2006, que é bom para ampliar a capacidade de crescimento do país. Excluindo os investimentos, as demais despesas cresceram bem acima do PIB, 12,7% sobre 2006.

Com pagamento de pessoal e demais encargos da União, o Tesouro desembolsou R$ 116,37 bilhões em 2007, R$ 10,9 bilhões a mais do que em 2006 a título de reestruturação de carreiras. Todos as despesas indexadas ao salário mínimo também crescem em ritmo mais acelerado. É o caso dos benefícios assistenciais obrigatórios, que subiram 21,9%.

O governo tentou estabelecer um teto para o crescimento da despesa primária, através de medida provisória, mas não se empenhou por sua aprovação. Agora, sem os R$ 40 bilhões da CPMF, está com dificuldades de cortar R$ 20 bilhões para compor um ajuste que compense o fim da contribuição. Sem apetência para gastar menos e melhor, não são poucos os ministros que flertam com a volta da CPMF.