Título: Mudança de paradigmas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2008, Opiniao, p. A14

No mundo dos negócios, onde as empresas são conduzidas para se tornarem parte indispensável do mercado onde atuam, portanto supridoras dos desejos e aspirações das pessoas que atendem, a dinâmica das transformações é permanente. No caso da eventual compra da Brasil Telecom pela Oi, muito mais do que o resultado dessa transformação, sob o ponto de vista das empresas, o que se precisa avaliar é o quanto essa transformação atende aos interesses da sociedade.

No que diz respeito ao arcabouço regulatório que rege as telecomunicações do Brasil a citada operação representa uma possibilidade que é recepcionada pelo modelo do setor, que foi concebido de forma flexível - juristas renomados costumam se referir à Lei Geral de Telecomunicações, como uma Lei Quadro, portanto como uma peça jurídica dotada de flexibilidade para atender às transformações de cenários - sendo, portanto, passível de incorporar novas realidades decorrentes das mutações tecnológicas, empresariais e de impacto na sociedade, típicas de um setor tão dinâmico quanto as telecomunicações.

No caso do Plano Geral de Outorgas, que estabelece as áreas de atuação das concessionárias de telefonia fixa, a previsão legal é de que a Anatel pode admitir, após cinco anos da privatização, a transferência de controle entre empresas atuantes em regiões distintas das determinadas pelo PGO, se entender que isso já não é mais necessário para o cumprimento do Plano. A agência não tem, no entanto, poder para criar novas regras, o que traz o risco de um vácuo regulatório que pode provocar um processo indesejado de monopolização do mercado. Para evitar isso, é fundamental que o Presidente da República, no exercício de sua competência legal indelegável, institua um novo PGO, mais adequado à consecução das políticas públicas por ele definidas.

A verdade é que vivemos hoje um momento completamente diferente em relação ao cenário da época das privatizações, em 1998. Em primeiro lugar, a evolução tecnológica mudou conceitos dos serviços, modificou a lógica da competição, e, como conseqüência, ampliou as opções para os consumidores. A convergência de redes e serviços e a dinâmica do mercado exigem explicitação de regras, como, por exemplo, a que permite que grupos empresariais possam controlar empresas atuantes em áreas geográficas distintas. .

Por conta disso, o mundo inteiro vive um intenso processo de consolidação de empresas de telecomunicação que se ajustam às demandas da sociedade e à lógica dos mercados, o que evidencia a necessidade de refletirmos sobre seu impacto no mercado brasileiro. O exemplo mais relevante é o dos Estados Unidos, umas das principais fontes de inspiração dos modelos dos setores de telecomunicações em todo o mundo. Ali, as chamadas "Babybells", sete empresas que dividiam o país por áreas geográficas, em 1996, se consolidaram em três grandes grupos com atuação, na maioria dos serviços, de âmbito nacional. Ficou claro, no caso americano, que a divisão artificial do mercado - muito maior que o mercado brasileiro - levou a um processo natural de consolidação.

-------------------------------------------------------------------------------- Uma iniciativa do Executivo no sentido de adequar o modelo regulatório das telecomunicações pode e deve ser estimulada --------------------------------------------------------------------------------

No Brasil, a divisão do país em três áreas geográficas fez muito sentido no momento da privatização, principalmente para resgatar a gigantesca dívida representada pela enorme demanda reprimida, à época, e garantir o amplo atendimento da sociedade, com o estabelecimento de metas de universalização do serviço telefônico fixo. Essa etapa, claramente já foi ultrapassada e esse fato, por si só, já é determinante para suscitar uma reflexão mais atualizada do modelo.

O ponto sobre o qual temos que nos concentrar não é, portanto, a questão da modificação do modelo de mercado. Sua alteração é possível, prevista na legislação e determinante para adequar o marco regulatório brasileiro às novas realidades do mercado de telecomunicações no país. O que precisamos discutir, na verdade, são as diretrizes que irão orientar essa mudança e os benefícios que pretendemos auferir para a sociedade.

Acredito que o desenvolvimento de uma empresa de capital nacional, com capacidade de competir internacionalmente, pode ser um fato relevante para a sociedade brasileira. Para começar, o resultado de uma eventual fusão entre Oi e Brasil Telecom criaria uma companhia mais forte, capaz de fazer frente a uma nova série de compromissos, definida pelas novas regras, em relação ao desenvolvimento regional e à oferta de serviços em áreas mais carentes. Além disso, os ganhos de sinergia e de redução de custos da operação, inclusive para captações internacionais, poderiam levar a preços e tarifas menores, com a repartição de seus benefícios para a sociedade como um todo.

Como decorrência dos compromissos que viessem a ser estabelecidos, a consolidação de um grupo local - com capacidade para atuar no mercado brasileiro, cada vez mais competitivo, e para se expandir para outros mercados, com destaque para os países vizinhos - poderia também fortalecer a competição interna e garantir a presença brasileira em um mundo cada dia mais dependente de telecomunicações.

Uma iniciativa do Poder Executivo no sentido de adequar o modelo regulatório das telecomunicações pode, portanto, e deve ser estimulada, quando responde às demandas do país. O governo tem todos os instrumentos para conduzir essa adequação, explicitando as razões e estabelecendo as diretrizes que irão orientar o processo de mudança. O que não podemos é deixar de acreditar que somos capazes de transformar em realidade as nossas utopias, e perdermos oportunidades de, num setor de alta tecnologia e imenso dinamismo e utilizando as regras fixadas na legislação, promover modificações que venham ao encontro do interesse nacional.

Renato Navarro Guerreiro é consultor em telecomunicações e ex-presidente da Anatel. renato.guerreiro@guerreiroconsult.com