Título: Modelo espanhol pode inspirar "supertele"
Autor: Magalhães, Heloisa
Fonte: Valor Econômico, 06/02/2008, Empresas, p. B3

A Telefónica tornou-se gigante a partir de estratégia ousada, montada em conjunto entre o governo espanhol e o comando da própria companhia. Buscou a internacionalização e teve papel significativo no desenvolvimento da indústria de equipamentos local.

No Brasil, avança para um desfecho a operação de compra da Brasil Telecom (BrT) pela Oi (ex-Telemar) e um dos temas em pauta dentro do governo é o de buscar mecanismos para essa nova "supertele", como está sendo chamada, encaixar-se numa estratégia de governo para o setor e trazer contrapartidas para a sociedade. A possível nova empresa concorrerá com o grupo espanhol, que aqui no país é dono da antiga Telesp.

A economista Marina Szapiro, que em tese de doutorado no Instituto de Economia da UFRJ comparou os impactos do sistema de inovação das telecomunicações na década de 1990 no Brasil e Espanha faz um alerta. Para ela, independentemente de todos os méritos das exigências de universalização da telefonia e saúde financeira alcançada pela privatização do setor ficou faltando estratégia de desenvolvimento industrial. Além disso falta maior presença do capital nacional no setor, o que pode entrar em pauta com a fusão Oi e BrT.

Marina engrossa o coro de especialistas que defendem a fixação de contrapartidas para serem atingidas por essa nova empresa. Como o processo exige mudanças na legislação e ao que tudo indica nasce com apoio de um banco estatal, o BNDES, nada mais adequado que uma correção de rumo. Ela lembra que o país tem capacitação tecnológica no setor que foi, até agora, muito pouco estimulada pelas concessionárias de telefonia fixa.

O estudo da economista mostra um cenário espanhol já na década de 1980 focado no desenvolvimento industrial e fortalecimento do capital local no setor produtivo. Como a companhia enfrentava déficit de 1 milhão de linhas no mercado interno havia um certo descrédito do sucesso da estratégia a ser seguida pela Telefónica entre especialistas, segundo levantou Marina quando fez entrevistas para substanciar a tese. Mas o plano de ação foi definido há mais de vinte anos buscando crescer a presença espanhola na telefonia focada na internacionalização.

A estratégia nasceu em boa parte diante do limite de crescimento da Telefónica em seu próprio país e devido à abertura do mercado para empresas dos países vizinhos nos moldes fixados pela Comunidade Européia. Já presente na Bolsa de Madri, a Telefónica Internacional (Tisa) não só garantiu acesso a capital como buscou conquistar visibilidade internacional lançando ações em Londres, Paris, Frankfurt, Nova York e Tóquio. Fortalecida, entrou na telefonia na América Latina. O primeiro país foi o Chile, em 1989 e no ano seguinte na Argentina. Hoje o grupo atua em 17 países na região.

Em paralelo, a empresa seguiu sua parte na política industrial implementada naquela época na Espanha. Comprou equipamentos e, inicialmente, participou do capital de 29 empresas desenvolvedoras de tecnologia por meio da Telefónica Investigação e Desenvolvimento (TID). Outro braço, a Telefónica I+D atua como braço tecnológico concentrando esforços na análise e avaliação do processo produtivo.

Segundo Marina, na experiência espanhola, o processo levou a um fortalecimento do sistema de inovação de telecomunicações no país. Empresas locais passaram a atuar como unidades de negócios fabricando componentes e implementando serviços específicos para os novos mercados da Telefónica.

A operadora, por sua vez, atuou no sentido de levar fabricantes de equipamentos espanholas para se tornarem fornecedoras nas subsidiárias que comprou com a privatização latino-americana. Na Argentina, por exemplo, a Telefónica priorizou compras de centrais de comutação das companhias espanholas Amper e telefones públicos da Elasa (que acabou sendo comprada pela Siemens).

Aqui, tentou emplacar telefones públicos feitos na Espanha mas foram logo desbancados pela tecnologia brasileira (do CPqD) de sucesso de uso dos cartões indutivos, informa Marina. Ela avalia que a privatização das telecomunicações pouco ajudou a impulsionar a tecnologia criada no Brasil. Resultou em redução da participação de produtos com tecnologia nacional pelas operadoras privatizadas com exceção da Telemar que manteve parte das compras com produtos criados no país.

Mas a economista avalia que aqui o país era muito mais avançado na década de 1980 em termos de capacitações industriais e tecnológicas do que a Espanha. As multinacionais são atuantes, algumas delas como centros de pesquisa, mas ela observa que na Espanha as indústrias locais conseguiram espaço internacional a partir das operações extra-fronteiras da Telefónica.

No modelo espanhol, também o peso das subsidiárias de grandes multinacionais é resultado mundial da globalização. Lá os fabricantes de equipamentos de telecomunicações instalaram-se em um cinturão industrial próximo a Madri. Outro grupo instalou-se na Catalunha.

A privatização das telecomunicações na Espanha, concluída em 1997, também foi acompanhada pela participação de bancos locais visando à criação de uma empresa de capital nacional. Até 2007 havia "golden share" criando condições para que o governo participasse de decisões estratégicas da companhia, especialmente quando se tratasse de compras de outras empresas ou ameaça de aquisição da maioria do capital da Telefónica por grupo estrangeiro. O governo podia vetar a operação.

Marina lembra que, no Brasil e e outros países sul-americanos, políticas e reformas estruturais focadas na liberalização do setor não estimularam o capital nacional e a participação de grupos brasileiros é pequena. A supertele que pode vir a nascer com a fusão Oi e BrT será o primeiro exemplo que poderá acontecer junto com um projeto para o país neste setor estratégico.