Título: Ex-membro de comitê do Sisbov vê negligência na cadeia da carne
Autor: Rocha, Alda do Amaral
Fonte: Valor Econômico, 06/02/2008, Agronegócios, p. B12

A decisão da União Européia de não aceitar a lista do Ministério da Agricultura com as fazendas de gado consideradas aptas a exportar ao bloco já gerou todo tipo de manifestações. Desde as que acusam a UE de puro protecionismo até as que admitem que as fragilidades do sistema de rastreamento do gado no Brasil levaram o bloco à atitude que acabou gerando embargo temporário da carne brasileira.

Entre os que fazem parte do segundo grupo está um ex-membro do Comitê Técnico Consultivo do Sisbov, o pecuarista Nelson Pineda. O criador, que nasceu na Venezuela, viveu na Suíça e está no Brasil há 27 anos, reconhece a "pressão econômica" na decisão européia, mas afirma que o Brasil está sendo advertido desde 2002 pela UE sobre as fragilidades do Sisbov e precisa "reconhecer que ficamos reféns da nossa incapacidade política e técnica de coordenar" o sistema de rastreabilidade.

Pineda critica sobretudo o modelo inicial do Sisbov, que previa rastreabilidade obrigatória - hoje deixou de ser - e acabou desestimulando o pecuarista a entrar no sistema, já que ele não teria um diferencial pelo gado rastreado. Critica ainda o modelo pelo qual as certificadoras eram responsáveis pela identificação animal e até pela venda do brinco. "Virou um grande negócio na época abrir certificadora", comenta. Isso foi o início, diz, do "processo de rastreabilidade na base do jeitinho".

Ele observa que na França e nos EUA, por exemplo, as certificadoras apenas auditam o processo de rastreabilidade do gado, o que deveria ocorrer também no Brasil. Hoje, essas empresas fazem a identificação, mas foram impedidas de vender brincos após mudanças nas regras do Sisbov. "Na França, o responsável pela identificação dos animais é o Instituto de Identificação Animal e nos Estados Unidos, o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos)", diz.

Para Pineda, "houve negligência em toda a cadeia" e, a cada auditoria da UE, o país levava "um puxão de orelha" por improvisar soluções e descumprir "aquilo que nós mesmos prometemos". Ele observa que todas as vistorias da UE encontraram "inconformidades", como, por exemplo, fazendas em que parte do gado não estava rastreada.

Na visão do ex-membro do comitê do Sisbov, "o grande medo dos europeus hoje é comprar carne de Estados não habilitados", por isso as restrições ao Brasil.

Pratini de Moraes, hoje presidente da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne Bovina (Abiec) e ministro da Agricultura quando o Sisbov foi implantado, em 2002, diz que, no início, houve resistência por parte de pecuaristas e frigoríficos de mercado interno à rastreabilidade. Observa ainda que o fato de a maior parte produção de carne bovina se destinar ao mercado interno fez o governo concluir que a obrigatoriedade era inviável. Sobre as certificadoras, Pratini admite que "houve aumento excessivo" de empresas "que não estavam preparadas para operar". Depois, no entanto, houve uma seleção, diz.