Título: Alta dos grãos move holofotes para a América do Sul
Autor: Scaramuzzo , Mônica ; Lopes , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 04/01/2008, Agronegócios, p. B12

Poucos países no mundo poderão se beneficiar tanto da alta das commodities agrícolas quanto Brasil e Argentina. Somados, ambos já produzem um significativo volume de soja, milho e trigo e têm terras disponíveis para expandir as lavouras, sobretudo a partir da tendência de redução do espaço ocupado pela pecuária, ainda marcadamente extensiva nesses dois exportadores de carne bovina.

Segundo Luiz Otávio Campos, analista de agronegócios do banco Credit Suisse, é essa constatação que motiva, por exemplo, as compras de terras brasileiras por grupos estrangeiros. "O potencial para aquisição de terras é maior no Brasil do que nos Estados Unidos ou mesmo na Argentina", afirma.

Não há dados precisos, mas estima-se que há no Brasil por volta de 90 milhões de hectares hoje ocupados por pastagens que podem ser convertidos aos grãos no longo prazo. Na safra 2007/08, a área nacional de grãos é de 46,5 milhões de hectares, conforme a Conab.

O Credit Suisse projeta que, puxada pelos países emergentes (principalmente China e Índia), a demanda global por alimentos aumentará 2,5% ao ano, em média, nos próximos anos. Também prevê que a taxa anual de elevação da demanda mundial por biocombustíveis será de 0,8%. A consultoria Macroplan, como já informou o Valor, trabalha com incrementos acumulados de 25% no consumo de cereais e de 40% na demanda de carnes na China até 2020. No mesmo horizonte, prevê saltos de 12% e 16%, respectivamente, para a América Latina e altas menores para a Índia - menores até que os avanços nos países desenvolvidos, que tendem a superar 15%.

Em 2007/08 (a safra de verão está em fase final de plantio no sul da América do Sul), o Brasil deverá produzir 62 milhões de toneladas de soja e a Argentina, 47 milhões, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). Se confirmadas, as colheitas responderão por 49,2% da safra global do grão. Nas exportações mundiais, a participação conjunta deverá chegar a 54,6%.

No caso do milho, a produção brasileira deverá atingir 50 milhões de toneladas e a argentina, 22,5 milhões. Na safra mundial, a fatia de ambos será, se o clima se comportar bem, de 9,4%. Nas exportações, subirá para 25,5%. Para o trigo, onde só a Argentina se destaca na América do Sul e o Brasil é um dos maiores importadores do mundo, as projeções do USDA indicam participação conjunta de 3,1% na produção e fatia platina de 9,5% nos embarques.

Os dois países terão de avaliar, porém, o papel que terão em um mundo de demanda por grãos em elevação. As indústrias processadoras de soja que operam no Brasil, por exemplo, reclamam das desvantagens tributárias (cobrança de ICMS no transporte interestadual do grão, basicamente) que enfrentam para transformar a matéria-prima em farelo e óleo. Se nada mudar, dizem, a tendência é que o país se consolide como celeiro exportador e perca valor agregado.

Claudio Porto, presidente da Macroplan, afirma que, particularmente no caso do Brasil, é necessário o estabelecimento de uma política agrícola que remova gargalos burocráticos e de infra-estrutura e reforce o seguro rural. "É preciso mais competitividade, principalmente com o dólar fraco". Problemas ligados à sanidade e à sustentabilidade da produção animal e vegetal também têm de ser resolvidos. "E do lado empresarial não há mais espaço para amadores".

Segundo ele, o país também precisa aproveitar a base de pesquisa, desenvolvimento e inovação construída nas últimas décadas. "A Embrapa, por exemplo, pode ser a nossa 'Petrobras verde'", propõe. "Mas a empresa [Embrapa] não conseguirá entrar no jogo com as atuais amarrações. É preciso profissionalizar a gestão e acelerar a internacionalização", diz.