Título: Após seis anos, setor privado ganha contratos
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Fonte: Valor Econômico, 04/01/2008, Brasil, p. A5

Yves Besse: "Temos a expectativa que em dez anos o setor privado possa representar 30% do mercado" A volta das assinaturas de contratos privados, a renovação de muitas concessões com companhias estaduais - agora com metas claras de serviço - e o aumento de recursos fizeram de 2007 um ano especial para o saneamento. Foram R$ 7,1 bilhões de recursos federais contratados - dos quais R$ 2 bilhões desembolsados -, e pelo menos mais R$ 2 bilhões que estavam na fila para serem efetivados ainda em dezembro, um valor três vezes maior do que a média dos primeiros quatro anos do governo Lula. As empresas privadas ganharam oito novos contratos - quebrando um jejum de seis anos -, e as estatais renovaram 133.

Só por parte da Caixa Econômica Federal (CEF), foram contratados R$ 3,2 bilhões. O total de desembolsos, porém, ainda é baixo - R$ 700 milhões. "Há um tempo entre a liberação dos empréstimos e a efetivação das obras", explica Rogério Tavares, superintendente nacional da CEF. No entanto, com a ampliação do limite de endividamento autorizada com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a Caixa espera em 2008 contratar cerca de R$ 4,8 milhões. Em 2006, o valor contratado foi de R$ 1 bilhão.

Além do impulso do PAC, o ponto crucial para essa mudança de cenário foi a entrada em vigor da lei que regulamenta o setor, em fevereiro de 2007. A lei trouxe maior responsabilidade das prefeituras na gestão dos serviços de água e esgoto, deixando claro o papel das empresas concessionárias e estabelecendo a entrada de um novo personagem, o agente regulador.

Esse conjunto de medidas agitou a discussão sobre as necessidades de investimento no setor, há muito tempo fora das prioridades dos governos. Por conta dos prazos apertados da lei e das exigências para o acesso a recursos federais, as prefeituras e as empresas estaduais tiveram que se apressar para resolver os contratos precários e que estavam para vencer. Só a Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo (Sabesp) assinou no fim do ano a centésima renovação e fechou um convênio com a capital que representa o início de um contrato até hoje inexistente de prestação de serviço. "Com regras estabelecidas fica mais fácil fazer acordos", diz Gesner Oliveira, presidente da Sabesp, para quem o ano superou as expectativas.

Com a cidade de São José dos Campos, a Sabesp assinou um protocolo de intenções em que a renovação do contrato por mais 30 anos virá acompanhada de uma compensação financeira de R$ 247 milhões à prefeitura. O valor corresponde à diferença entre o que a empresa irá arrecadar e a necessidade de investimento na cidade. Parte dessa transferência (R$ 159 milhões) virá em forma de ações da Sabesp. Com cerca de 1% do capital da empresa, a prefeitura se tornará a segunda maior acionista pública da Sabesp, atrás apenas do governo paulista. O restante da compensação virá em 5% de participação na receita líquida da empresa, mais R$ 50 milhões a serem revertidos em investimentos em obras de recuperação ambiental.

A companhia estadual que conseguiu manter os contratos mais representativos no seu orçamento, no entanto, foi a Companhia Catarinense de Água e Saneamento (Casan), que renovou com a capital Florianópolis e o município de Criciúma. A Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe) acredita que até 2010 será fechado esse ciclo de renovações.

No começo do ano, a entidade reclamou que a falta de prazo de adaptação à lei para os locais que tinham contrato para vencer em 2007 paralisaria os investimentos. "Os Estados acabaram trabalhando pesado para dar suporte às suas companhias e aos municípios, o que ajudou a renovação dos contratos que estavam vencendo", diz Paulo Ruy, presidente da Aesbe. Neste começo de ano, as concessionárias estaduais deverão se reunir para trocar experiências. O modelo paulista, de criação de uma agência reguladora regional, é um dos que foram considerados exitosos.

A concorrência com o setor privado ainda está longe de ser sentida pelas estaduais, já consolidadas no mercado há 30 anos. No entanto, 2007 quebrou uma seqüência de seis anos sem novos contratos assinados com empresas privadas. O espaço para entrada desses investidores está entre as cidades com operação própria, como o caso do município de Resende (RJ) - que privatizou o serviço de água e esgoto -, ou nos contratos de Parcerias Público-Privadas (PPPs) com empresas públicas, como nas cidade de Rio Claro (SP) e de Rio das Ostras (RJ), que contrataram um consórcio da Odebrecht para operar apenas a área de esgoto.

Em Itu (SP), o sistema era semelhante ao de Rio Claro, mas no ano passado a prefeitura estendeu a concessão privada para o serviço de água. Quem ganhou a licitação foi a Cibe, empresa formada pelos grupos Bertin e Equipav. Em 2007, a Cibe ganhou mais dois contratos. Assumiu os serviços na Região dos Lagos (RJ), que abrange os municípios de Búzios, Cabo Frio, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia e Arraial do Cabo, local atendido pela portuguesa Prolagos. Ganhou licitação também na capital do Mato Grosso do Sul, Campo Grande, que era operada pela espanhola Águas de Barcelona, selando de vez o fim da participação das estrangeiras no país. Os municípios paulistas de Mirassol e Palestina concederam o serviço de saneamento para a empresa Cab Ambiental.

"A ampliação ainda é pequena, mas já é um começo, e temos expectativa que em dez anos o setor privado possa representar 30% do mercado", diz Yves Besse, diretor da Associação Brasileira das Concessionárias de Serviços Públicos (Abcon) e presidente da Cab. Hoje, as empresas privadas possuem 5% do mercado. Segundo Newton Azevedo, diretor de saneamento da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústria de Base (Abdib), 2007 foi um ano de "rearranjo empresarial". "Os atores estão em busca de contratos, conversando com as prefeituras e as associações são importantes na hora de disseminar informação sobre as mudanças trazidas pela lei." Azevedo também é presidente da empresa de água e esgoto Eco-Enob, que apesar de não ter assinado nenhum contrato no ano passado, está de olho em duas concessões em São Paulo para este mês, além de uma PPP no Nordeste.

As PPPs deverão ser as maiores oportunidades para o setor privado em 2008. Além de ser um ano em que as eleições municipais podem atrasar concessões, essa é uma forma de as empresas unirem esforços junto às estaduais para a efetivação de investimentos. "A PPP tem a característica do privado virar prestador de serviço da empresa pública e isso causa menos polêmica. Não mata o público, configura uma parceria", diz Besse. Ele lembra que ainda há resistência em relação à idéia da iniciativa privada operar uma área considerada social, como o saneamento.

Em 2008, deverá ser finalizada a licitação da PPP da Sabesp, de ampliação de uma estação de tratamento de água no Alto Tietê. Na Bahia, o governo de Jaques Wagner terminou a negociação com a Odebrecht no começo de dezembro e conseguiu reduzir em 20% o valor do negócio. A empresa já havia assinado contrato com a gestão anterior, mas o governador determinou a reavaliação dos preços.

Sérgio Gonçalves, da Secretaria de Saneamento do Ministério das Cidades, considera que, apesar da lei ainda ser uma novidade para muitos agentes, principalmente para prefeituras, já é possível ver uma reorganização do setor.

Além dos prazos estabelecidos pela lei para a regularização dos contratos, o governo federal optou por vincular o acesso a recursos da União à adequação dos municípios à lei. Quando não há planos de saneamento formulados ou órgão regulador, por exemplo, a prefeitura assina um termo de compromisso com o ministério sobre o andamento da sua regularização, e assim obtém o financiamento. "Não queremos causar dificuldades, só queremos firmar um comprometimento das prefeituras com as determinações da lei", diz Gonçalves.

A constituição de conselhos municipais para controle social das políticas de saneamento é outra exigência do governo federal para o acesso a recursos da União que poderá vir em 2008 e que preocupa empresários e companhias estaduais. Na lei, há apenas a determinação de que haja o controle social, mas na minuta do decreto regulador da lei apresentada pelo Ministério das Cidades, fica especificado que esse controle tem que ser exercido por um conselho, semelhante ao que há hoje na esfera federal, com participação da sociedade civil, principalmente de movimentos sociais.

Representantes das empresas argumentam que esse tipo de estrutura pode mais atrapalhar do que ajudar, à medida que influir na execução da política e das ações das companhias de saneamento. Em novembro, as entidades envolvidas com o setor enviaram ao ministério uma avaliação da minuta do decreto. Segundo Gonçalves, o governo está analisando as propostas e nesse começo de ano a discussão será retomada. (Colaborou Raquel Salgado, de Salvador)