Título: Turismo mira bolsa para crescer
Autor: Campassi, Roberta; Valenti, Graziella
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2008, Empresas, p. B1

A aposta na rentabilidade do clichê brasileiro de sol, praia, lindas paisagens e povo alegre está chegando também à Bovespa. O setor imobiliário, com o nicho de exploração turística, promete trazer mais duas empresas à bolsa paulista, além da já listada Invest Tur. Mas o horizonte para esse segmento não tem só céu azul. Há muitas dúvidas no ar ainda sem respostas.

Em janeiro, duas empresas do ramo turístico-imobiliário pediram à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) registro para ofertar de ações no Novo Mercado, a despeito do momento negativo do mercado, com a instabilidade internacional. São elas Global 4 e Summer Brasil Turismo.

O negócio consiste em adquirir terrenos, preferencialmente, no Nordeste do país, para construção de condomínios de veraneio e hotéis de luxo. Em sua maior parte, a gestão dos empreendimentos será feita em parceira com administradoras hoteleiras. O público-alvo é, especialmente, o turista estrangeiro.

O modelo das candidatas à bolsa segue o da Invest Tur, criada pelos donos do badalado resort Txai, original de Itacaré (BA), e que levantou R$ 945 milhões, em julho passado, com uma oferta de ações.

Tanto a Global 4 como a Summer foram criadas há poucos meses e ainda não possuem ativos, só projetos. Por se tratar apenas de idéias, as ofertas de ações das candidatas à bolsa deverão ser dedicadas a um público familiarizado com os riscos do mercado financeiro, chamado de investidor qualificado. Também foi assim na operação da Invest Tur.

Nesse segmento, além dos riscos da inexistência de atividade operacional, há também a falta de dados setoriais conhecidos e de um histórico sólido. Existem poucos grupos com longa experiência na exploração de resorts e condomínios. Alguns dos existentes, como os complexos de Sauípe (BA) e Cabo de Santo Agostinho (PE), ainda não garantiram retorno aos investidores. A baixa ocupação levou o grupo Accor a sair do empreendimento baiano, enquanto Blue Tree e Posadas desistiram do resort em Pernambuco.

A grande questão sem resposta, no caso brasileiro, é se a demanda por novos empreendimentos acompanhará a oferta. Embora Global 4, Summer e Invest Tur tenham, em sua maioria, apenas projetos no papel, os cronogramas prevêem boa parte dos lançamentos de um a três anos. O apetite para exploração do turismo no país nunca avançou a passos tão largos.

A Global 4 diz já ter 26 localidades identificadas e a Summer, outras 34, como potenciais candidatas a construção de condomínios e hotéis. A Invest Tur, por sua vez, tem 27 projetos entre os mais avançados na execução e os que ainda estão em fase de discussão. Para construção imediata, logo após a capitalização em bolsa, a Global 4 tem 10 projetos selecionados e a Summer, mais outros 10. Enquanto isso, a Invest Tur conta com 12 empreendimentos em estágio intermediário a avançado.

A idéia de fazer hotéis e casas de luxo para férias no Nordeste tem entusiastas, que vêem nos números pequenos de hoje um grande potencial para o futuro. A questão é que otimismo está baseado em uma lógica ainda não confirmada de crescimento do turismo internacional e num ritmo de expansão do turismo doméstico ainda incerto - dada a grande dependência da evolução da renda do brasileiro.

Além dos projetos previstos pelas companhias a caminho da bolsa, há outras dezenas em diferentes fases de implantação, capitaneados por grupos nacionais e estrangeiros. Só na categoria resorts, o número de empreendimentos em funcionamento deve saltar dos atuais 60 para cerca de 140 em 2012, segundo a Resorts Brasil, associação que representa o setor.

Mesmo que a demanda cresça 10% ao ano - numa perspectiva otimista - haverá forte queda na taxa de ocupação dos empreendimentos, dos atuais 53% para 37% em 2012, prevê a associação. É possível, porém, que nem todos os projetos incluídos se concretizem, o que aliviaria a pressão sobre a ocupação.

Já para o mercado de segundas residências, a estimativa da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Nordeste Brasileiro (Adit) indica que nos próximos oito anos serão vendidas 80 mil casas, o que deve movimentar R$ 16 bilhões.

Até o momento, não há indícios seguros de que a demanda turística acompanhará tal desenvolvimento. Em 2006, o país recebeu somente 5,1 milhão de turistas estrangeiros. Os números do ano passado ainda não estão fechados, mas os desembarques internacionais são um indicativo: alta de apenas 1,2%, bem abaixo da média internacional e menor do que o avanço de 8% nos desembarques domésticos. No mundo todo, as chegadas internacionais avançaram 6%, de acordo com a a World Tourism Organization (WTO).

A quantidade de turistas que o Brasil recebe é pequena quando comparada a outros países (ver quadro ao lado). A pequena República Dominicana registrou a visita de 3,7 milhões de estrangeiros em 2006. Já o México, com características semelhantes às brasileiras, contou com 21,9 milhões de turistas.

O Brasil aparece na lista de países menos competitivos no turismo em pelo menos dois estudos, um do Fórum Econômico Mundial e o outro da Unicamp. Em ambos, a riqueza de belezas naturais e a diversidade cultural são desbancadas por sérios problemas de infra-estrutura, violência e a baixa qualificação da mão-de-obra.

Além de vencer o desafio da demanda, as companhias terão de adequar os ambiciosos projetos às exigências ambientais e à velocidade do governo na concessão das licenças necessárias para as construções.

O sucesso das novatas no ramo dependerá também da capacidade administrativa dos grupos empreendedores, que terão de selecionar os melhores locais para seus projetos, bem como ter canais eficientes para distribuição dos produtos.

Assim como a Invest Tur, a Global 4 e a Summer reúnem, entre os fundadores, profissionais com experiência nos mercados turístico-imobiliário e com conhecimento no mercado financeiro. No caso da Global 4, uniram-se Mário Correia de Carvalho, que atuou em Sauípe pela Odebrecht, Cléber Soares, que implantou empreendimentos em Itacaré, e João Carlos Cavalcanti, especializado na criação de novas companhias. Já a Summer é uma nova aposta da família Pontes, que construiu, entre outros, o Summerville Resort, em Porto de Galinhas (PE).

A remuneração dos sócios, além da perspectiva de valorização do negócio no longo prazo, virá de um bônus pela própria captação na bolsa, bem como do serviço de consultoria que prestarão às novas empresas.