Título: Impunidade marca o país, diz relatório
Autor: Agostine , Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2008, Política, p. A7

As violações dos direitos humanos no Brasil raramente são levadas a julgamento. A violência policial e a tortura continuam freqüentes e as condições das prisões são aterradoras. Enquanto o governo federal ainda comemora a queda do índice de homicídios no país, o relatório divulgado ontem pela Human Rights Watch, Ong ligada à defesa dos direitos humanos no mundo, mostra que os problemas na área de Segurança estão longe de ser solucionados.

O documento afirma que o governo brasileiro esforça-se para reparar os abusos contra os direitos humanos, mas "os responsáveis por esses crimes são raramente punidos". A Ong analisa a regularidade de casos em que "policiais se envolvem em práticas abusivas ao invés de seguirem políticas legítimas de policiamento". E, apesar da contradição, a violência policial ajuda a explicar a queda dos índices de criminalidade no país. "Policiais abusivos são raramente punidos, e os abusos são algumas vezes justificados pelas autoridades como um produto inevitável dos esforços para combater as altas taxas de criminalidade no Brasil".

O relatório alerta para as condições desumanas nas penitenciárias, com a violência e superlotação. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), as prisões e cadeias brasileiras tinham sob sua custódia 419,5 mil detentos em junho de 2007, ultrapassando a capacidade em quase 200 mil pessoas. O governo também falha em outro ponto: nos primeiros quatro meses de 2007, 651 pessoas foram mortas enquanto estavam detidas.

O diretor do Depen, Maurício Kuehne, reconhece que a situação das penitenciárias é "caótica" e diz que as mudanças demandam tempo. "Não há como reverter esse quadro em curto prazo. É culpa de uma omissão mais do que centenária por parte dos governos estaduais", analisa. "O governo federal vai injetar recursos, que não serão suficientes para reverter a situação em curto prazo", diz. O governo federal afirma que as ações previstas para melhorar o sistema estão dentro do Programa Nacional de Segurança com Cidadania.

Os problemas tornam-se mais evidentes com os altos índices de reincidência: de cada dez detentos soltos, sete voltam a cometer crimes e retornam às penitenciárias, segundo o Ministério da Justiça. "Isso mostra que 'o grosso' do que se está fazendo não serve para nada", diz Kuehne. "Não basta prender. É preciso olhar para dentro do cárcere".

Além da violência policial e das más condições das penitenciárias, a Ong acusa a falta de punição nos casos de trabalho escravo. Desde 1995, quando o governo federal criou unidades móveis para monitorar as condições de trabalho nas áreas rurais, foram libertadas cerca de 26 mil pessoas em condições análogas à escravidão. Mas, "até agosto de 2007, ninguém havia sido punido por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão".

O relatório afirma que governo fez um esforço para remediar a impunidade à violação dos direitos humanos ao criar uma emenda constitucional em 2004 tornando "ofensa federal" esse tipo de crime . Dessa forma, a investigação e o julgamento são transferidos do nível estadual para o federal. Só que, até hoje, não houve nenhuma transferência.

A Secretaria Especial dos Direitos Humanos, por meio de sua assessoria de imprensa, diz que o relatório é uma iniciativa positiva, que ajuda o governo a tomar decisões e direcionar políticas.