Título: Lugar de mulher é na bolsa
Autor: Vieira, Catherine
Fonte: Valor Econômico, 06/02/2008, Eu, p. D1

Muitos homens já se perguntaram pelo menos uma vez na vida o que tanto as mulheres procuram na bolsa? O insondável mistério, que já foi tema até de livro de crônicas, ganha surpreendentes contornos para as mulheres de um clube carioca. Para elas, a resposta da pergunta é bastante simples: o que elas procuram é mais dinheiro. É claro que a bolsa em questão não é aquele tradicional objeto de desejo do consumo feminino, mas um mercado no qual investem moças com diferentes perfis, do mais conservador ao mais arrojado.

O clube de investimentos Mulherinvest, liderado pela especialista em finanças Sandra Blanco - também criadora do site homônimo -, mostra que, assim como "as mulheres boazinhas vão para o céu e as outras vão a qualquer lugar", as mulheres consumistas muitas vezes se afogam em dívidas, enquanto as poupadoras multiplicam seus tostões para garantir sua independência. "Nós, mulheres, adoramos gastar, mas podemos deixar também de comprar um pouco e aplicar todo mês, para depois aproveitar essas economias no futuro", conta a cotista Viviane, de 33 anos, no livro "Bolsa para Mulheres", organizado por Sandra sobre a experiência do clube e que acaba de ser lançado pela editora Campus-Elsevier.

Quando foi criado, em 2004, o clube iniciou com a cota de R$ 1 e menos de dez investidoras. Hoje, com mais de 100 cotistas, o clube tem cota de R$ 4,05, o que significa que o ganho ficou em torno de 300%. Mas Sandra alerta que o objetivo do grupo não é perseguir as melhores rentabilidades do mercado e, sim, aumentar o patrimônio com ganhos sólidos, obtidos por meio de muita análise e discussão. "Uma das vantagens de ser um clube é essa, poder debater e fazer uma coisa que tem mais o nosso perfil", conta ela.

Em 2007 por exemplo, o ganho foi bom e o Mulherinvest acumulou rentabilidade de 45,75%, pouco mais que o Índice Bovespa do período, que fechou em 43,65%. Ela admite, com tranqüilidade, porém, que poderiam ter ganho mais. "Fizemos uma escolha errada no setor de consumo que acabou reduzindo os ganhos nos últimos meses do ano, mas tudo bem, isso faz parte, todas nós sabemos que há apostas mais certeiras e outras que não dão certo, é assim mesmo", afirma Sandra.

Declaradamente inspiradas nas "Ladies de Beardstown", lendário - e algumas vezes até polêmico - grupo de mulheres americanas que se reuniu para investir na bolsa, as cotistas do Mulherinvest também têm uma predileção natural por analisar mais de perto empresas que fazem parte de seu dia-a-dia, ou seja, com as quais mantém relações como consumidoras. Essa também é uma característica pelas quais ficaram notórias as moças de Beardstown.

"Empresas como Natura, Americanas e Submarino, além de Sadia e Perdigão, por exemplo são algumas que acompanhamos bastante", diz a idealizadora do grupo. Nessa linha, a ação da Alpargatas foi justamente uma das que mais deram alegrias ao grupo desde o lançamento do clube. "Compramos bem no começo e tivemos uma rentabilidade expressiva", lembra Sandra.

Outro setor que as cotistas gostam é o de bancos. "Todas somos correntistas de alguns e conhecemos clientes de outros, é natural a troca de informações sobre a instituição", acrescenta a especialista, mostrando que a relação cliente-consumidor acaba também afetando as preferências de compra ou pelo menos as conversas sobre as escolhas de ações. Para ela, isso aproxima um pouco a bolsa do mundo real das cotistas e torna o debate mais rico. "Mas o contrário também tem acontecido, começamos a conhecer empresas das quais não sabíamos nada, que eram super distantes da nossa realidade", diz ela, que cita como exemplo setores como os de logística ou algumas indústrias pesadas.

A escolha dos papéis é feita em reuniões quinzenais nas quais cada uma apresenta suas análises e opiniões. Também usam reportagens, artigos e análises fornecidas pela corretora a qual o clube está ligado. "Mas mantemos contato constante por meio de um grupo de discussão na internet", diz Sandra.

Quando o assunto é mais complexo, como setores mais distantes da rotina feminina ou análise gráfica, elas convocam especialistas para lhes explicar melhor os temas. A partir disso, muitas acabam se encantando com determinados nichos e tornam-se até especialistas. "Algumas adoraram os gráficos, por exemplo, e passaram a olhar sempre, outras se interessam por determinado setor e acompanham mais, é interessante ver coisas novas, dá uma azeitada no cérebro", brinca a criadora do clube.

A amizade e a oportunidade de ter um novo grupo que compartilha interesses também atrai. Julia, de 39 anos, é uma das que se interessaram bastante por análise de gráficos e ressalta, em depoimento no livro, os laços pessoais. "Foi criado um vínculo entre pessoas que ao mesmo tempo são diferentes e complementares", diz ela, que também destaca o quão interessante é pertencer a um grupo. "Os erros e acertos são de todas, daí a responsabilidade de cada uma de nós", conta ela.

Aos 40 anos, Sandra, paulista que já se considera carioca, dedica-se ao site Mulherinvest desde que criou o projeto em 2000, época em que chegou ao Rio e tinha acabado de ter a primeira filha. Antes disso, trabalhou no mercado financeiro, sendo que o então Banco Garantia foi seu último emprego formal. Entre 2003 e 2004, criou o clube de investimento e passou a ser mais demandada como consultora de clientes individuais nessa área, que é a que ela mais gosta.