Título: Mudança nas regras desperta apreensão no conselho da Anatel
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2008, Empresas, p. B3

A compra da Brasil Telecom (BrT) pela Oi (ex-Telemar) desperta apreensão e muitas dúvidas nos integrantes do conselho consultivo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), instância que obrigatoriamente será ouvida em caso de mudança nas regras do setor para permitir a união - impossível pela legislação atual - de duas concessionárias de telefonia fixa.

Das 12 vagas do conselho, só cinco estão ocupadas. O órgão precisa de maioria simples para tomar qualquer tipo de deliberação. Dois novos integrantes foram nomeados pela Presidência da República no segundo semestre do ano passado, mas até agora não foram empossados. Os integrantes atuais queixam-se da demora e afirmam que o presidente da Anatel, Ronaldo Sardenberg, responsável pela convocação do conselho, tem protelado inexplicavelmente a posse.

De acordo com a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), qualquer alteração do Plano Geral de Outorgas (PGO) ou do Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) deve passar pelo conselho consultivo "antes do encaminhamento ao Ministério das Comunicações". O órgão não tem poder de veto às mudanças, mas precisa ser consultado e seus pareceres podem referendar politicamente ou constranger o governo em caso de alteração do PGO, que precisa ser feita para viabilização a criação da "supertele" nacional.

Representantes do Senado, da Câmara, do Executivo, das prestadoras de serviços, dos consumidores e da sociedade civil têm assento no conselho, que não se encontra desde fevereiro de 2007, por falta de quórum.

A advogada Flávia Lefèvre Guimarães, consultora da Pro Teste e representante dos consumidores no conselho, teme prejuízos à concorrência no setor de telecomunicações com a compra da BrT pela Oi. Por isso, acredita ela, a mudança de regras precisa estar acompanhado de novos instrumentos que permitam o estímulo à competição. "Na medida em que mudamos o PGO, precisaremos criar instrumentos regulatórios para preservar os mecanismos de competição", diz.

Lefèvre pretende defender no conselho a idéia de que o plano de outorgas só deve mudar com a decisão simultânea de liberar as redes de infra-estrutura das operadoras de telefonia, mesmo que seja necessário mexer nos contratos de concessão.

Isso permitiria, por exemplo, à Telefônica oferecer serviços de telefonia fixa usando a rede da Oi, no Rio. "Na Europa, alguns países desagregaram a rede e tiveram uma queda significativa de preços", observa.

O assessor legislativo Luiz Fernando Concon Liñares, que representa a Câmara dos Deputados no conselho, apóia a fusão das teles e vê prováveis ganhos de escala que podem beneficiar o consumidor. Para ele, a discussão sobre uma nova operadora nacional "vem em boa hora" e corrige uma "falha histórica" da privatização do sistema Telebrás "ao permitir a igualdade de condições com grupos estrangeiros".

Liñares demonstra preocupação, no entanto, com um possível "efeito AmBev" na supertele. Ele teme que os dois futuros controladores - os grupos Andrade Gutierrez e La Fonte, que teriam 51% do capital da nova operadora - possam vender futuramente o controle societário a empresas estrangeiras. O direito de preferência que o BNDES deverá ter na compra de ações que eventualmente forem vendidas pelos controladores privados é um passo importante, mas talvez não suficiente. "Se não houver um grande grupo com capital nacional, o Brasil perderá uma oportunidade de expansão para outros países, inclusive na América Latina."

O problema, avalia Liñares, cujo mandato no conselho termina em fevereiro, é se o controle for transferido para estrangeiros. "O governo precisa criar um mecanismo para garantir que essa oportunidade não repita a experiência da AmBev. Ou seja, que ao formar-se um grande grupo, haja algumas salvaguardas para que o mercado não se concentre ainda mais. Esse setor não é cerveja. Estamos falando de inclusão digital, convergência tecnológica e custo Brasil", acrescenta Liñares.

Emília Maria Ribeiro, assessora técnica da Presidência do Senado e também integrante do conselho, diz ainda não ter opinião formada sobre a mudança do plano de outorgas. Em princípio, ela demonstra certa simpatia pelo negócio - "quem não quer uma empresa brasileira forte?" -, mas prefere esperar o anúncio oficial e os estudos sobre a nova configuração do mercado. "Tenho ouvido todos os lados, mas é uma mudança de impacto. Enquanto não tiver dados concretos de que tipo de transação ocorrerá e quais serão seus impactos, é difícil opinar. Não tenho como dizer se sou favorável ou contra", afirma a conselheira.

Os atuais integrantes do conselho responsabilizam Sardenberg pela demora na posse dos novos membros. Lefèvre diz que há um "esfriamento" do conselho porque ele "funcionava como um chá das cinco", mas passou a ter uma postura bem mais ativa a partir de 2005. Chegou a contestar até o formato dos novos contratos de concessão das operadoras de telefonia fixa e da mudança de tarifação de pulso para minuto. Agora, afirma ela, há uma tentativa de "desqualificação".

Lefèvre diz que pediu várias vezes, a Sardenberg, a posse dos integrantes nomeados que dariam quórum ao conselho consultivo. "Escrevi duas cartas ao presidente da Anatel e tive uma audiência com ele em que reiteirei essa necessidade", conta. Liñares afirma ter feito os mesmos pedidos. Há relatos de que houve avisos de corte de recursos financeiros ao conselho caso ele se auto-convocasse para dar posse aos integrantes - possibilidade prevista na LGT, mas cuja aplicação desperta interpretações diferentes e que não é a praxe no órgão.

A demora na posse dos novos conselheiros leva o mercado a insinuar que a Anatel estaria esperando a seleção dos dois representantes das operadoras para dar posse a todos de uma só vez. As prestadoras de serviços - representadas por entidades como Abrafix, Acel e Telebrasil - já encaminharam indicações para o governo, a quem cabe a escolha final dos conselheiros. De acordo com o site especializado "Teletime News", os dois nomes mais votados pelas entidades são de Francisco Perrone (vice-presidente da BrT) e João de Deus Pinheiro Macedo (diretor da Oi), executivos justamente das empresas que têm o maior interesse imediato nas mudanças do PGO.

Avalia-se que, com os novos integrantes, seria possível obter a maioria necessária (e hoje incerta) para garantir um parecer favorável à fusão das teles no conselho consultivo da Anatel.