Título: Nova guerra do Paraguai
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 30/01/2011, Economia, p. 14

Depois de pressionar o Palácio do Planalto para uma revisão do preço da energia de Itaipu, o país vizinho agora oferece eletricidade farta e barata às indústrias brasileiras. A meta é atrair para o outro lado da fronteira empresas insatisfeitas com a salgada tarifa nacional Após ganhar do Palácio do Planalto a promessa de triplicar o preço da energia que vende obrigatoriamente ao Brasil, o Paraguai recorre à mesma cota de 50% da geração de Itaipu para seduzir os maiores consumidores brasileiros de eletricidade. As indústrias eletrointensivas, que concentram até 37% do seu custo final em energia, estão sendo convidadas a transferir, total ou parcialmente, sua produção para o país vizinho. São siderúrgicas e cimenteiras responsáveis por fatias expressivas do mercado doméstico e pelo fornecimento de matérias-primas a várias cadeias produtivas.

A larga disponibilidade de energia ¿ 95% da sua parte na hidrelétrica binacional ¿ e a reduzida carga tributária sobre a tarifa são os atrativos oferecidos pelo governo paraguaio para atrair investimentos no outro lado da fronteira. Especialistas calculam que tributos e encargos somam 51,6% da arrecadação das distribuidoras brasileiras de eletricidade. No Paraguai, o consumidor industrial teria 50% de alívio nos impostos da conta de luz.

Antes de buscar eletrointensivos, que respondem por 30% da demanda brasileira, o Paraguai criou as condições para isso. O plano paraguaio de industrialização definiu a construção, até 2012, de uma linha de transmissão de 500 quilômetros entre a hidrelétrica e Villa Hayes, a 30 quilômetros de Assunção. Esse reforço absorverá US$ 400 milhões, dos quais US$ 150 milhões serão aportados pela própria Itaipu. O restante virá do Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul (Focem). O país vizinho se compromete ainda a investir US$ 150 milhões numa subestação que atingirá potência de 1,25 mil megawatts (MW) até meados de 2013.

O desejo das autoridades paraguaias de conquistar eletrointensivos brasileiros foi formalizado em novembro pela diretoria da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), em reuniões e seminários. À frente da empreitada, estavam engenheiros paraguaios de Itaipu e da autarquia Administracíon Nacional de Eletricidade (Ande). ¿Num quadro de crescente aperto tarifário, ignorado pelo governo, o Paraguai surge como alternativa, tendo na mão metade da energia de Itaipu¿, explica Carlos Cavalcanti, diretor de Infraestrutura da Fiesp.

Burocracia e corrupção Para ele, ao investir em infraestrutura para consumir mais do que a fatia a que tem direito dos 14 mil megawatts (MW) da potência de Itaipu, o Paraguai torna-se sócio ativo da usina. Além disso, o país ainda tem potencial hídrico inexplorado e grupos privados manifestaram interesse em ter hidrelétricas lá para vender energia ao mercado brasileiro. Cavalcanti admite, contudo, que corrupção e burocracia são uma realidade enfrentada por empresários que atuam no Paraguai.

O setor de alumínio, o mais sensível aos custos de energia, informa fechamento de duas fábricas (Valesul e Aratu) nos últimos meses ¿ indústrias que representavam 10% da produção nacional. O processo é acompanhado da aceleração das importações de produtos acabados e semiacabados, com destaque para os aparelhos de ar condicionado made in China, com alta de 450% em 2010. A maior parte das indústrias de alumínio no mundo atua com tarifas de US$ 30 a US$ 50 por megawatt hora (MWh), enquanto as do Brasil chegam a US$ 80.

Eduardo Spalding, coordenador da Comissão de Energia Elétrica da Associação Brasileira do Alumínio (Abal), relata que o segmento mantém hidrelétricas para fornecer um terço da energia utilizada para a produção do alumínio primário. Os projetos em curso de novas usinas devem elevar essa participação para 50% até 2013. ¿Isso permitirá que a indústria resista à concorrência externa¿, estima. Mas Spalding vê um ¿triste paradoxo¿: conta oferta garantida de energia e bauxita, além de demanda crescente, mas a eletricidade é cara.

Até então, a indústria no geral, que consome 47% da energia do país, tem procurado driblar os altos custos participando da construção de hidrelétricas. Mas a marcha para o Paraguai já começou. Em dezembro de 2009, a canadense Rio Tinto Alcan abriu negociações com a Ande para comprar energia destinada a uma futura fábrica de alumínio no país.

Cimenteira na frente Em julho de 2010, foi a vez de a Camargo Corrêa Cimentos anunciar a construção de uma cimenteira no Paraguai, investimento de US$ 100 milhões. A Cimentos Yguazú será instalada em Villa Hayes com capacidade para produzir 400 mil toneladas anuais. Sua operação vai ser inaugurada em 2012.

O presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace), Paulo Pedrosa, acha que a escala de encargos na tarifa elétrica impede o Brasil de deslanchar. ¿A tarifa industrial explodiu desde 2001 (190%) e é a terceira maior do mundo, atrás só da China e Alemanha¿, disse. Pedrosa não acredita em transferência de fábricas para o Paraguai, mas acha que o país vizinho já é opção para investimentos.

Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), classifica os alertas de eletrointensivos de ¿choradeira¿ de empresários. Para ele, os encargos e impostos sobre a energia pesam mesmo no bolso de cidadãos e pequenas empresas. ¿Com exceção das fases de pouca chuva, a grande indústria tem opção de comprar energia barata no mercado livre. Se alguém quiser se mudar, boa viagem¿, provoca.

Usina binacional Segunda maior hidrelétrica do mundo em capacidade e a primeira em produção, a usina binacional de Itaipu está localizada no Rio Paraná, entre Paraguai e Brasil, sendo responsável por quase 20% da capacidade de geração de energia do lado brasileiro. Ela produz, em média, 91 milhões anuais de megawatts/hora, tendo sido projetada para 75 milhões de MWh. O tratado que a viabilizou entrou em vigor em 1973. A previsão do governo é autorizar sua revisão no primeiro semestre deste ano.

ANÁLISE DA NOTÍCIA Distorções contábeis

Não bastassem as concessões governamentais feitas ao Paraguai, envolvendo revisões no Tratado de Itaipu, boa parte dos consumidores brasileiros acaba pagando a conta, indiretamente, quando o país abre a guarda e revê, sempre para cima, repasses ao país vizinho. Na hermética fatura de energia, não há um encargo específico destinado a financiar os clientes da hidrelétrica no outro lado da Ponte da Amizade, mas o novo cálculo, que prevê um aumento de 200% sobre o excedente comprado aos paraguaios, atinge indiretamente os moradores das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país. Eles consomem, compulsoriamente, parte da energia produzida na megausina binacional.

Como tudo no sistema elétrico, a matemática do acordo de Itaipu não é para leigos. No confronto das contas, em 2009 o Brasil pagou por 94% da energia da usina, mas consumiu menos, o equivalente a 92% dos megawatts (MW) gerados pela hidrelétrica. Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil ¿ que identificou as distorções ¿ lembra que as despesas são meio a meio, mas as receitas favorecem o Paraguai, ¿que não colocou um tostão na usina e só de royalties recebe mais do que paga pela energia que consume¿. (Márcio Pacelli)